Oração do Coração – é, na tradição da oração, sua expressão mais simples e necessária: “descer” ao coração e invocar o Nome de Jesus, “que contém a Presença que significa”. Por meio desse caminho, devemo-nos deixar atrair até o conhecimento da misericórdia de Deus, para o qual concorre a teologia dos sinais dos tempos. Ora, a Igreja estabeleceu, no 2º Domingo da Páscoa, o culto litúrgico da Divina Misericórdia para que, no centro mesmo da economia da salvação e da economia sacramental, em que se manifesta o desígnio benevolente, misericordioso do Pai (eudokía: Ef 1,9; cf. Catecismo da Igreja Católica, CIC, 1066-1068), se torne patente a máxima atuação da misericórdia divina no Mistério Pascal (cf. Dives in misericordia, 7-8), dando lugar à sua exaltação: louvor e amor (lex orandi, lex credendi: CIC, 1124).
Este é o significado do simbolismo pascal do conhecido ícone de Cristo misericordioso, no qual está inscrita a invocação “Jesus, confio em Vós”. Podemos assim discernir – na dinâmica da economia da oração – o sinal de um desígnio divino representado pela invocação do santo nome de Jesus sob essa fórmula, que pode contribuir para a animação de uma catequese mistagógica renovada. Pois não constitui a oitava pascal – semana catequética in albis ou oitava batismal – um tempo propício para a formação dos batizados? A oração vivida como mistério é um ato fundamental da função profética dos batizados, na celebração dos sacramentos e na vida. É certo, portanto, que o Domingo da Misericórdia tende a conferir um sentido pleno ao antigo conteúdo do Domingo in albis, visto que a “tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo” (constituição dogmática Dei Verbum, DV, 8).
Daqui sobressaem três constantes da oração cristã especialmente presentes na experiência da oração do coração, enraizada no mistério da misericórdia divina: ela é “conhecimento de Deus” em sentido bíblico, conforme a oração pascal da Hora de Jesus: “Conhecer-te a Ti…” (Jo 17,3). A chamada oração sacerdotal (cf. Jo 17) insere toda a nossa oração na dinâmica da economia da salvação (o termo grego dynamis é frequente no Novo Testamento), pois – já ensinavam os Padres da Igreja – só pela economia (entendida como o conjunto das obras de Deus) se entra na teologia (cf. CIC 236). Este caminho, enfim, cria a unidade interna entre liturgia, oração e vida (cf. CIC 2558). Ademais, mediante esse tríplice fundamento, a dinâmica da oração cria o nexo entre a oração a Jesus (cf. CIC 2665 ss.) e o Pai-Nosso, movimento que, no seu conjunto e no contexto aqui tratado, constitui uma mistagogia, isto é, visa a introduzir no “próprio mistério da Vida de oração” (cf. CIC 2746-2751).
Em artigo anterior, pude realçar o quanto a invocação “Jesus, confio em Vós” está ordenada a uma concepção da oração do coração própria de um tempo da misericórdia. Aí ela se torna a expressão de um desígnio eterno de misericórdia, da justiça misericordiosa de Deus, recebida no Batismo e aperfeiçoada na Eucaristia, os sacramentos pascais fundamentais que estão no cerne do Domingo que encerra a oitava da Páscoa. “A invocação ‘Jesus, confio em Vós’ é um ‘sim’ ao desígnio misericordioso, que nos faz entrar na justiça – e na paz – do Reino de Deus […]. O santo nome de Jesus nós o recebemos, brota gratuitamente e não por nossas forças – é mistério revelado aos simples; é graça e misericórdia […]. A oração do coração está no primeiro plano da liturgia vivida e da nossa santificação” (“O nome misericordioso de Jesus”, O SÃO PAULO, 27/02/2020).
Marcelo Cypriano Motta é advogado, contemplado com a Medalha “São Paulo Apóstolo” 2018, e atua na “Promoção da Cultura da Misericórdia” no Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.