A vida religiosa consagrada e a cidade de São Paulo

Arte: Sergio Ricciuto Conte

A vida religiosa consagrada foi celebrada mais uma vez pela Igreja no último dia 2 de fevereiro. A presença dessa vida religiosa consagrada é inegável desde as origens da cidade de São Paulo. A missa que marcou a fundação desta capital, celebrada no átrio do futuro Pateo do Collegio, foi presidida por um sacerdote religioso. Ele era filho de uma ordem religiosa, que surgiu no século XV sob a inspiração de Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus. Essa ordem, como várias outras, no final do medievo, surgiu sob a pecha de, num mundo em mudança, atuar nas novas fronteiras que a modernidade abria à Igreja.

Ao longo dos séculos, incontáveis religiosos serviram nas fileiras da Igreja paulistana. Homens e mulheres que assumiram valorosos serviços em nome do Evangelho. Alguns pela via da Saúde; outros pelas sendas da Educação; e, outros, ainda, pelo viés da ação pastoral paroquial. Nessa história, muitos bispos que conduziram esta Igreja eram oriundos de ordens religiosas, como os Franciscanos Miguel da Madre de Deus e Manuel da Ressurreição ou, mais recentemente, Paulo Evaristo Arns. A seu modo, como filhos de um carisma específico, deram suas respostas aos reptos de seu tempo.

À luz dos desafios hodiernos, cabe indagar qual a atual missão da vida religiosa na metrópole. Entre tantos, três: ser sinal escatológico do Reino de Deus; ser presença entre os pobres e assumir ministérios como dons carismáticos.

O sinal escatológico da vida religiosa deriva da sua própria natureza. Ela surgiu para se opor à mundanização da Igreja e para volver seu olhar para Deus. Nesse sentido, numa São Paulo secularizada e imanentista, a vida religiosa, sem descuidar da realidade, é chamada a despertar a vocação ao transcendente na humanidade. Igualmente, numa Igreja que padece de um certo mundanismo espiritual (cf. exortação apostólica Evangelii gaudium, 93-97), a vida religiosa deveria constranger a si e a comunidade eclesial a deixar de ser autorreferencial e divisar na busca do Reino o mote de sua ação.

Ser presença entre os pobres é outro desafio à vida religiosa nos nossos tempos. O teólogo Baptist Metz afirmou certa vez que a vida religiosa é “uma terapia de choque eclesial”. Desse modo, não surge atrelada ao poder, mas do deserto, da periferia. Nesse sentido, a imensa massa de pobres que cresce nas diversas regiões de São Paulo é um imperativo da ação eclesial. A vida religiosa deve ser a primeira a ocupar esse espaço. Na atual conjuntura, contudo, vê-se um encolhimento da periferia para o centro por parte da vida religiosa. Visto que esse estado de vida eclesial é a “terapia de choque da Igreja”, estar junto aos pobres seria o caminho para desafiar todo estamento eclesial a uma preocupação maior com as causas da pobreza. Urge, na metrópole, com qualidade um regresso às periferias.

Por fim, nessa cosmopolita capital, a vida religiosa, mormente a masculina, não pode se conformar em ser apenas suplência da escassez de clero em paróquias. Não se assume um trabalho pastoral somente por falta de contingente. Antes o contrário, em plena comunhão com os planos diocesano de pastoral, ao assumir serviços eclesiais, deve-se introduzir aquilo que é próprio do carisma, contribuindo para apresentar uma Igreja cada vez mais plural, bem como responder a uma demanda social e evangélica de um público específico.

Tais desafios se configuram como os mais prementes neste espaço. Eles, a nosso ver, em tempos da primavera eclesial que toma forma a partir de Francisco, ajudam a constituir uma vida religiosa mais fiel ao Evangelho e ciente dos desafios da evangelização na grande metrópole paulista.

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.

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