Campanha da Fraternidade, ecumenismo e misericórdia

Sergio Ricciuto Conte

Construir a fraternidade e o diálogo amoroso, culminando no testemunho da unidade na diversidade, foi o ponto central da Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) deste ano. Já na apresentação, seu texto-base enumera como um dos objetivos específicos: “Promover a conversão para a cultura do amor” (nº 3). Surge, então, o compromisso desde o âmbito ecumênico de promover a inculturação do Evangelho da paz e da misericórdia, daí sermos exortados ao “enraizamento no amor misericordioso de Deus” pela fé em Jesus Cristo, como o caminho para a paz.

Esse é o espírito que anima o Domingo da Divina Misericórdia, instituído por São João Paulo II no 2o Domingo da Páscoa. A exaltação da misericórdia de Deus no Domingo que encerra a oitava pascal confere a este um novo significado, que se amolda perfeitamente ao antigo conteúdo do Domingo in albis e se ordena ao progresso da Tradição apostólica e à explicitação da Revelação, para tornar patente a unidade entre Páscoa e Misericórdia.

O Domingo da Misericórdia expressa, acima de tudo, a centralidade que vai ganhando a misericórdia na vida e na missão da Igreja, e o texto-base da Campanha da Fraternidade deste ano faz transparecer esse influxo ao adotar a Carta aos Efésios como “a inspiração bíblica que iluminará nosso caminho de reflexão e ação” (nº 1), da qual tira o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14a). Só enraizada no Amor misericordioso, a comunidade cristã, como Corpo de Cristo, poderá testemunhar a unidade na diversidade como expressão da fraternidade e da paz. Isto não apenas coincide como ilumina a mensagem evangélica e pascal do Domingo da Misericórdia – e eventualmente contribui para a construção de um método.

Do mesmo modo que o Domingo da Misericórdia, a Campanha da Fraternidade, enraizada no mistério da misericórdia de Deus, que nos abre à “amorosidade”, busca a unidade na paz do Ressuscitado, donde o lema “Cristo é a nossa paz…”.

Há, ainda, um dado em comum e central a unir a CFE e o Domingo da Misericórdia: este também encontra sua fundamentação em Ef 2,14, que fornece o lema a partir do qual se desenvolve aquela. Isto se depreende do magistério de dois grandes pontífices, como um evidente sinal da força da misericórdia que cria um elo entre eles. Com efeito, já em 1984, São João Paulo II lançava este belo e comovente apelo à penitência e à reconciliação (Reconciliatio et paenitentia, 35): “Para que daí provenham, num dia não muito longínquo, frutos abundantes, convido-vos a todos a dirigir-vos comigo ao Coração de Cristo, sinal eloquente da misericórdia divina, ‘propiciação pelos nossos pecados’, ‘nossa paz e reconciliação’ (Litanias do Sagrado Coração de Jesus; cf. 1Jo 2,2; Ef 2,14; Rm 3,25; 5,11)”. Inspirado claramente nessa passagem, o Papa Francisco foi mais explícito (Gaudete et exsultate, 121): “Em suma, Cristo ‘é a nossa paz’ (Ef 2,14) e veio ‘dirigir os nossos passos no caminho da paz’ (Lc 1,79)”. 

A “descoberta” dos sinais dos tempos à luz do Evangelho surge, assim, como a tarefa básica e de fundo, a fim de fazer avançar na história o profético “Ecumenismo da Fraternidade”.

Devemos nos orientar, neste momento, pelo princípio posto pelo Papa Francisco (exortação apostólica Evangelii gaudium, 222-225): “O tempo é superior ao espaço”, isto é, deve haver mais empenho em gerar processos do que conquistar espaços. É nesse “intercâmbio de dons” que se caminha rumo à unidade; para isso, como indica a Campanha da Fraternidade Ecumênica, é necessário “mergulhar” no Mistério de Cristo, em cuja misericórdia nos é dada a paz.

Marcelo Cypriano Motta é advogado, contemplado com a Medalha “São Paulo Apóstolo” 2018, e atua na “Promoção da Cultura da Misericórdia”, no Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

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