Educar nas virtudes: o que significa isso?

Muito se tem dito sobre educar os filhos nas virtudes, mas, acompanhando bem de perto muitas famílias, percebo com nitidez que bem pouco se conhece a respeito das tão almejadas virtudes.

Esse assunto bastante antigo, mas abandonado por muitas gerações, tornou-se agora um grande desafio para aqueles que pretendem retomar a busca de uma vida virtuosa.

Hoje, vemos com bastante otimismo uma preocupação com as competências socioemocionais, ou soft skills, se quisermos utilizar uma linguagem mais empresarial. O fato é que todos, sejam educadores, empreendedores, líderes etc. percebem com clareza que “falta algo” na formação das pessoas. Chegamos a um ponto em que, se não buscarmos esse crescimento interior, as relações das mais diferentes espécies (familiares, de trabalho, amizade, escolares) entrarão em falência.

Apesar da alegria em ver crescer esse movimento em busca dessas competências, brota também naqueles que se aprofundam um pouquinho mais no conhecimento da essência da pessoa, a preocupação: por que se traz à tona esse conceito de competências e habilidades e não se resgata o conceito de virtude? Por que no âmbito da escola se traz esse “psicologismo” como capaz de “salvar” as crianças do caos de formação que vivemos hoje e não se fomenta que as famílias protagonizem uma formação integral dos pequenos? Será que as tão famosas competências e habilidades não têm em sua base um olhar pautado numa busca do “politicamente correto”, em que ter empatia significa aceitar o outro como ele é, independentemente da verdade sobre ser?

Essa proposta de modulação de sentimentos na qual não se tem em vista um real aperfeiçoamento da pessoa, mas, sim, uma formatação para que se insira no “politicamente correto”, faz com que toda e qualquer reação contra o que está ideologicamente instituído soe como falta de competência socioemocional, e isso é preocupante; afinal, podemos estar delegando algo precioso – o caráter dos nossos filhos – a pessoas das quais não conhecemos os valores. Seria mesmo um papel predominantemente escolar trabalhar com a formação pessoal da criança, uma vez que essa formação, para acontecer de modo sólido, precisa estar pautada nos valores familiares? Com certeza, a escola pode contribuir na formação, fazer eco àquilo que a família tem como objetivo. Infelizmente, porém, o que se apresenta é uma inversão de papéis.

Voltando às virtudes, pregadas desde a Antiguidade, sabemos que visam ao aperfeiçoamento da pessoa, estão intimamente comprometidas com a regulação dos desejos, dos sentimentos e das ações que se referem aos bens e às atividades. Bem é tudo aquilo que cabe ao homem ter ou usar – o tempo, o dinheiro, os afetos, o corpo, a sexualidade, a comida, as roupas, o conhecimento etc. Atividades são os afazeres que fazem parte das diversas dimensões da vida: o trabalho, o descanso, a família, as atividades esportivas, religiosas etc. As virtudes são critérios de comportamento que se tornam disposições estáveis da pessoa (em sua afetividade e vontade) para chegar à excelência. Uma vida virtuosa proporciona à pessoa agir segundo uma conduta que a leva ao bem, à verdade, que permite que seja mais livre, na medida em que se domina mais e com isso se torna capaz de agir conduzida pela razão.

Se formamos pessoas virtuosas e lutamos nós mesmos para vivermos de modo virtuoso, certamente teremos uma sociedade mais ordenada, justa e excelente, mais comprometida com o bem comum. Uma sociedade virtuosa, no entanto, não estará comprometida com o politicamente correto, mas, sim, com a verdade sobre a pessoa.

Para que possamos viver o respeito, é preciso que entendamos o que significa a virtude da justiça e seus desdobramentos. Para que possamos viver a caridade com os outros, é preciso que conheçamos o real sentido do amor; afinal, amar é algo muitíssimo mais profundo do que aceitar qualquer coisa da outra pessoa: amar é servir, doar-se, levar o outro a uma vida repleta de sentido; ajudá-lo a alcançar sua finalidade última. Para vivermos cada uma dessas virtudes, é preciso muito treino – atitudes pequenas e cotidianas que nos capacitem a isso.

Habilidades socioemocionais como empatia, resiliência, consciência social se tornam pequenas e vazias diante de virtudes como a fortaleza, a compaixão, a caridade. Se queremos formar pessoas realmente capazes de se dominar e de agir com liberdade, precisamos conhecer as virtudes e nos determinar a elas com toda a força de nosso ser. Formemos pessoas (e sejamos nós mesmos pessoas), que saibam empreender a luta que realmente as aperfeiçoará: a luta contra elas mesmas – suas más tendências, seus impulsos e egoísmos. Assim, se fará a base de uma sociedade realmente melhor e mais livre.

Simone Ribeiro Cabral Fuzaro é fonoaudióloga e educadora. Mantém o site www.simonefuzaro.com.br. Instagram: @sifuzaro

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