Contratos: justiça comutativa e os limites ao contratar

A ordem jurídica estabelece uma relação social harmoniosa e de convivência pacífica entre os homens, todos regulados e sujeitos a uma mesma lei, a qual não prescinde de finalidades e valores morais. Por essa razão, há semanas, temos buscado evidenciar a presença de alguns princípios da Doutrina Social da Igreja (DSI) nessa nossa ordem jurídica e social. A Doutrina Social da Igreja traz princípios de uma lei moral universal que permeiam nossa consciência comum (DSI, 436) e, tantas vezes, logramos expressar em nossa ordem jurídica vigente – muito embora haja, cada vez mais, uma tendência a desvirtuamentos e descolamentos entre a ordem jurídica e a ordem moral.

Mencionamos em colunas passadas nosso foco constitucional para a erradicação da pobreza, uso consciente e solidário dos bens comuns e destinação adequada da propriedade privada. Todos esses elementos estão pautados por aspectos de justiça distributiva e social.

Além da propriedade, outro elemento importante a permear a vida cotidiana e a convivência humana é o contrato, por meio do qual se estabelecem vínculos e observâncias de compromissos assumidos segundo critérios de justiça.

A atividade econômica, em seu dinamismo, depende do respeito aos direitos de propriedade e de liberdade de contratar; nesses direitos, encontram-se fortes elementos de pacificação social e boa convivência humana.

Propriedade e contrato estão na base da livre iniciativa e do livre mercado, princípios tão caros ao sistema econômico por meio do qual vivemos.

No Direito e na vida, ouve-se sempre dizer que os contratos devem ser rigorosamente cumpridos, e isso se expressa segundo o famoso princípio latino do pacta sunt servanda; sem prejuízo de esse princípio ou máxima jurídica nunca poder ser considerado absoluto.

Os contratos devem ser cumpridos na medida do justo e do moralmente aceitável.

Não fogem os contratos, portanto, como meios de pacificação social, da observância do moralmente justo, pois critérios de justiça natural permanecem acima de qualquer liberdade de contratar ou do mercado.

A âncora do contrato à finalidade moral que impõe limites aos abusos e à idolatria do mercado (DSI, 349).

Os contratos sujeitos à justiça comutativa levam à salva- guarda de direitos e obrigações livremente pactuadas entre as partes, prevalentemente equitativas. Claro que essa justiça comutativa diz respeito, muitas vezes, a relações bilaterais nas quais as partes não assumem propositadamente riscos do incerto e do aleatório.

Ademais, o aspecto comutativo e equitativo dos contratos se encontra intrinsecamente vinculado aos aspectos distributivos ou sociais e em nada conflita com prevalência de um princípio de solidariedade nas relações contratuais.

Nessa justiça comutativa dos contratos, é fundamental o equilíbrio entre vantagens e sacrifícios na precificação do contrato, na medida do esforço comum das partes no cumprimento de suas obrigações e na determinação da vontade expressa pelas partes ao se vincular ao contrato. Esse equilíbrio permeia toda a vida contratual, ainda mais se o contrato perdurar ao longo do tempo. Por essa razão, muitas vezes, ouve-se falar, em situações de crise, sobre a necessária revisão dos contratos, seja pelas partes, seja judicialmente. Não se justifica, muitas vezes, a imposição do cumprimento do contrato quando, para uma parte, torna-se excessivamente oneroso, com contraposta e desmedida vantagem a uma parte em detrimento da outra (Constituição federal, CF, art. 478). Essa é a regra para a maioria dos contratos, e essa é regra de justiça contratual, de medida de solidariedade e de limitação não só jurídica, mas também moral à liberdade de contratar.

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