Crianças indígenas em situação de vulnerabilidade

Com 301 povos e 271 línguas diferentes, a população indígena brasileira vive realidades diversas que envolvem desde grupos isolados até os que residem em áreas urbanas. Mais recentemente, tem surgido uma discussão sobre a desnutrição crônica de crianças indígenas. Conforme pesquisas, a prevalência de desnutrição crônica era de 30%. Os números variam entre etnias. No caso das crianças yanomamis, a taxa chega a 70%.

A discussão sobre a desnutrição infantil nas comunidades indígenas e as formas de lidar com ela têm colocado ao Sistema de Garantia de Direitos o desafio de repensar suas lógicas de compreensão sobre a infância e as condições de vida dos povos indígenas. 

Pois o problema vai muito além. Cumpre destacar, crianças e adolescentes indígenas são vulneráveis a diversos tipos de violência, incluindo a violência sexual. Há uma violação constante do direito à identidade e ao autorreconhecimento, algo que muitas crianças e adolescentes indígenas passam quando convivem nos espaços urbanos, especialmente nos estados do Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. 

Há, também, um déficit dos indígenas à educação escolar, principalmente a partir do fundamental e do ensino médio, além de uma séria situação de violência sexual e suicídio de adolescentes e jovens, localizados nas regiões de expansão do agronegócio e de invasão dos territórios indígenas, como no Amazonas, Mato Grosso do Sul e Pará. 

Ainda, a invisibilidade dos povos indígenas favorece a produção de violências contra crianças e adolescentes indígenas. Isso também ocorre no próprio atendimento da rede de proteção que, na maioria das vezes, não considera a identidade indígena para realizar um atendimento intercultural. Assim, surgem duas violências institucionais: a primeira, de negação da identidade; a segunda, de realizar um atendimento deficitário. 

Há, ainda, o caso da hipervisibilidade das crianças indígenas, quando os problemas sociais que as afetam ganham a atenção da mídia, da sociedade e do próprio governo, e passam a ser tratados como uma “prioridade”, com intervenções que podem afastá-las do convívio com seu grupo étnico – como divulgado recentemente que crianças yanomami estão sendo retiradas de seus pais e encaminhadas para adoção. 

Portanto, são muitos e multifacetados os fatores que devem ser avaliados ao se analisar a situação de vulnerabilidade das crianças e jovens indígenas. Em muitas comunidades, o aumento do consumo abusivo de bebidas alcoólicas tem sido um fator relevante no aumento da violência, afetando as mulheres e os idosos indígenas das comunidades. 

As condições de ocupação e insegurança do território indígena também podem intensificar diferentes formas de violência – a exemplo da presença de civis, madeireiros clandestinos e mesmo de equipes das políticas compensatórias de grandes obras.

Por fim, temos o desafio de cuidar para que, conforme estabelecido por Lei, o atendimento ocorra por meio da escuta especializada, com respeito aos modos de vida culturalmente diferenciados de povos indígenas e de comunidades tradicionais, para que não produza um efeito de desorganização social ou conflitos internos. É preciso pensar em formas de atendimento que consigam ser legitimados por lideranças internas – especialmente as indígenas – e reconhecê-las como parte da rede de proteção para alinhar em sua estrutura a relação com os direitos indígenas, como o direito à autonomia.

Rodrigo Gastalho Moreira é formado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com pós-graduação em Teologia Aplicada pela Universidade de Oxford, Reino Unido.

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