Ao cair da tarde de um domingo, os adultos, idosos e moços se reuniam para, entre um jogo de cartas ou uma rodada de dominó, colocar a conversar em dia, recordar os ‘causos’ de família e se divertir. “Vou ganhar de você! Quer apostar”? E sobre a mesa da cozinha ou no chão da sala se ajuntavam algumas notas de R$ 5, R$ 10, R$ 20 de cada jogador. Todos se conheciam e o jogo sempre acabava antes que alguém saísse de carteira vazia.
Hoje, passadas algumas décadas desta cena que era tão corriqueira em alguns lares brasileiros, outros adultos, idosos, jovens e até crianças continuam “jogando”, mas imersos aos apelos da indústria do entretenimento, já não o fazem pelo viés lúdico e de recreação de outrora. Individualmente – cada um em seu smartphone – e sob o controle dos algoritmos das bets – os sistemas de apostas on-line – são estimulados a apostar para conseguir rentosas premiações. Basta entra no jogo e pagar via pix, débito em conta ou pelo cartão de crédito.
A praticidade em apostar e a promessa do dinheiro rápido e fácil têm causado uma verdadeira “epidemia das bets”, que como toda a doença em descontrole afeta a saúde física e mental e, neste caso, também a financeira. Uma recente pesquisa do Instituto Locomotiva apontou que 86% dos que apostam nos jogos on-line possuem dívidas, e que a maioria dos apostadores, 79%, pertence às classes C, D e E. Outro levantamento, feito pelo Instituto Datafolha em dezembro do ano passado, indicou que 17% dos beneficiários do Bolsa Família – ou seja, pessoas de baixa renda – já disse ter feito apostas on-line e destes quase um terço gasta mais de R$ 100 por mês nestas plataformas.
Sancionada em 29 de dezembro do ano passado, a lei 14.790/2023, a chamada “Lei das Bets” regularizou o mercado dos jogos e apostas on-line no Brasil, o qual, potencializado por patrocínios em times e torneios de futebol, anúncios no rádio e na tevê e por publicidades na internet e redes sociais, tem obtido um crescimento exponencial, com os consequentes malefícios já citados.
Na sexta-feira, 20, durante o 10º Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Roma, o Papa Francisco revelou ficar “muito triste ao ver que alguns jogos de futebol e estrelas do esporte promovem plataformas de apostas. Isso não é um jogo, é um vício. É colocar a mão nos bolsos das pessoas, especialmente dos trabalhadores e dos pobres… Isso destrói famílias inteiras”.
Diante de tamanha permissividade social à jogatina, não é sem motivo que a Igreja no Brasil externa preocupação como a possível votação no Senado do projeto de lei 2.234/2022, que propõe regulamentar a instalação e operação de cassinos, bingos, caça-níqueis e a exploração de jogos e apostas em todo o Brasil. A proposta foi já aprovada na Câmara dos Deputados em 2022, como PL 442/91.
Em carta ao episcopado brasileiro no começo deste mês, a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apontou que “o jogo de azar traz consigo irreparáveis prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares”, afetando especialmente as pessoas que têm compulsão por jogos; e lembrou que os argumentos de que a regulamentação será benéfica para as finanças do País e a geração de empregos desconsideram “a possibilidade de associação dos jogos de azar com a lavagem de dinheiro e o crime organizado”.
Portanto, que não restem dúvidas: a jogatina, seja presencialmente nas casas de apostas, seja de modo on-line, é algo maléfico para o indivíduo e para toda a sociedade. Como afirma o Catecismo da Igreja Católica, os jogos de azar e as apostas “tornam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa do que lhe é necessário para as suas necessidades e as de outrem. A paixão do jogo pode tornar-se uma grave servidão” (CIC 2413).
*Ilustração: Fecomércio/Reprodução