A eutanásia e os efeitos da ‘cultura da morte’

Em 1995, a vida da jovem canadense Christine Gauthier sofreu uma reviravolta drástica e inesperada: ela contava então 25 anos, e servia como voluntária na tropa de artilharia das Forças Armadas de seu país, quando um acidente de treinamento numa trincheira a tornou paraplégica. Sua vida poderia parecer arruinada, mas Christine não entregou os pontos, e passou a se dedicar ao esporte paraolímpico, onde obteve bastante sucesso: foi cinco vezes campeã mundial de paracanoagem e teve uma boa participação representando seu país nos Jogos do Rio 2016. De volta à rotina vida ordinária, porém, Christine tinha um obstáculo bastante incômodo: sua casa tem dois andares, e toda vez que subia ou descia as escadas ela precisava desmontar da cadeira de rodas e se arrastar pelos degraus. Como não tinha recursos para arcar sozinha com a instalação de um elevador para deficientes, ela resolveu recorrer ao governo do país ao qual servira como militar e como atleta olímpica – mas qual não foi sua humilhação quando, após muitas tentativas frustradas, foi informada por um funcionário do Serviço de Assistência aos Veteranos que a ajuda com o elevador estava fora de questão, mas que, com base na lei de eutanásia daquele país, poderiam oferecer-lhe a morte assistida por um médico.

Um exemplo assim extremo de desvalorização da vida humana pode parecer um caso isolado – mas essa mentalidade materialista infelizmente vem se tornando cada vez mais comum nos países do Ocidente que se abriram à eutanásia. Na Holanda, uns anos atrás, o governo encomendou um estudo sobre a implantação do regime de tolerância à morte assistida – e o famoso Relatório Remmelink concluiu que, naquele ano, a maioria das mortes em decorrência de eutanásia (mais precisamente, 5.981 pessoas) ocorreu sem o consentimento do paciente. No estado americano do Oregon, há várias doenças terminais que simplesmente não dão direito a tratamento do serviço público de saúde, mas que recebem gratuitamente a “assistência médica para a morte”. No Canadá, apenas no ano passado, mais de 10 mil pessoas decidiram dar fim à própria vida, com a chancela oficial do governo e dos médicos… 

Trata-se verdadeiramente de uma “cultura da morte”, que, rejeitando qualquer sentido mais profundo e transcendente à sua existência, acredita que a vida só tem valor “na medida em que proporciona prazer e bem-estar” (João Paulo II, Evangelium vitae, n. 64). O homem moderno, especialmente o que mora “nos países desenvolvidos”, que testemunharam nas últimas décadas os “contínuos progressos da medicina”, acabou caindo na ilusão de que é dono e senhor de cada aspecto de sua existência, verdadeiro senhor da vida e da morte (Ibidem). 

Ao contrário da tão esperada libertação e paz, no entanto, esta pretensão de “decidir da própria vida com plena e total autonomia” só conduz a desordens e desconfianças entre os membros da sociedade. Aqueles mesmos médicos que, pelo juramento de Hipócrates, davam aos pacientes a segurança de que somente atuariam para lhes defender a vida, agora terão sempre sobre seus conselhos a suspeita de estarem agindo para minimizar custos… Os filhos, que eram instruídos a dar ouvidos ao pai que os gerou, e a não desprezar a mãe que envelhece (cf. Pr 23,22), agora têm uma alternativa fácil e aparentemente “misericordiosa” para suprimir aquele de quem não se pode suportar o sofrimento.

É preciso reconhecer que existem circunstâncias em que o sofrimento atinge a vida de uma pessoa e de sua família com grande profundidade, sem que seja muito possível enxergar ali uma lógica ou um sentido imediato. Este é um dado da vida que atinge crentes e não crentes: mas nós, cristãos, recebemos, da Cruz e da Ressurreição de Cristo, os motivos para a verdadeira esperança, que nos permite confiar em que existe um sentido até mesmo nas situações mais absurdas.

Com essa firme convicção, podemos dar aos aflitos aquilo que eles verdadeiramente desejam, em seu sofrimento: não a morte por uma injeção, mas a vida, pela “companhia, solidariedade e apoio na provação”, e pela “ajuda para continuar a esperar, quando falham todas as esperanças humanas” (Idem, n. 67).

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