Sobre a Vida Religiosa Consagrada

Depois de dedicarmos as duas primeiras semanas de agosto à oração pelas vocações ao Sacerdócio e ao Matrimônio, a tradição já bem estabelecida da Igreja no Brasil nos pede que façamos da Vida Religiosa o assunto de nossas conversas com Deus ao longo desta semana. Para quem olha a Igreja Católica desde fora, a vida dos religiosos pode parecer radicalmente diferente da dos cristãos casados: afinal de contas, o monge trapista não tem a mesma rotina profissional que um pai de família; a monja carmelita de clausura não tem o mesmo círculo social que uma mãe de família; e o missionário franciscano não constitui um lar estável à mesma maneira que um casal…

E, no entanto, Nosso Senhor considerava os dois assuntos como bastante próximos e escolheu transmitir seu ensinamento sobre a vida religiosa justamente ao ser interrogado sobre “a situação do homem com a mulher” (cf. Mt 19,3-12). Ao mesmo tempo em que quebrou as expectativas dos fariseus que O questionavam sobre o divórcio a partir de uma visão muito humana sobre o Matrimônio, e obscurecida pela dureza de seus corações (v.8), Jesus falou explicitamente daqueles que “se fazem eunucos por causa do Reino dos Céus” (v.12). E tanto em um quanto em outro caso, nosso doce Redentor advertiu que não era um ensinamento fácil: “Nem todos são capazes de entender” o Matrimônio cristão (v.11); e “Quem puder entender [o celibato apostólico], entenda” (v.12). No mesmo sentido, o Catecismo da Igreja Católica trata da “Virgindade por amor do Reino” (nn. 1618-1620) dentro da seção geral dedicada ao “Sacramento do Matrimônio” (nn. 1601ss). Para um verdadeiro cristão, portanto, Matrimônio e Virgindade consagrada não se opõem: antes, ambos encontram seu fundamento último em Nosso Senhor, e só podem ser verdadeiramente compreendidos à luz da “absoluta primazia do amor a Cristo” (Compêndio do Catecismo, n. 342).

Poderíamos talvez dizer que a vida religiosa é como que a “prova real” do Matrimônio, o termômetro que ajuda as famílias cristãs a não perderem de vista que todas as coisas deste mundo (mesmo as coisas ótimas, como a felicidade de uma família cristã) são caducas, e só escapam à fugacidade desta vida de vaidades se forem ordenadas para as realidades eternas.

Algo parecido acontece com o ensinamento de Jesus sobre o amor: nosso dever como cristãos, naturalmente, é amar a todos, amigos e inimigos – mas porque Jesus insiste tanto no amor aos inimigos (cf. Mt 5,43-44)? Pois o amor aos inimigos é o teste seguro do amor: “Se sou bom para com alguém que certamente me retribuirá a bondade, talvez minha atitude não passe de um ato disfarçado ou implícito de auto-interesse. Por outro lado, se sou generoso com quem é meu inimigo, com alguém que não está nem um pouco interessado em retribuir minha generosidade, posso estar certo de que desejei verdadeiramente o bem dele” (Dom Robert Barron, Catolicismo, p.52).

Da mesma forma, é possível que um pai ou mãe de família que seja cristão/cristã cumpra exemplarmente com seus deveres familiares – mas talvez por motivos muito terrenos, baseando-se unicamente no prazer que lhe vem dos afetos e carinhos humanos, ou na satisfação de ter uma “família modelo” perante a sociedade. Nosso ideal é mais alto: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de coração, como para o Senhor e não para os homens. Pois vós bem sabeis que recebereis do Senhor a herança como recompensa. Servi a Cristo, o Senhor!” (Cl 3,23-24).

Quando uma moça bonita, bem-educada e com uma promissora carreira no mundo do cinema, como a irlandesa Clare Crockett (1982-2016), responde a um chamado divino e aos 20 anos abre mão de tudo para virar freira e missionária, ela faz de sua vida um clamor contínuo de que existe vida eterna. Como dizia a própria Irmã Clare: “É claro que você ama seu país e sua família, mas Deus vale tudo isso. Quando eu sentia Nosso Senhor me pedindo para ir à Espanha, eu me lembro de dizer a Ele, ‘Por que o Senhor está me tirando do meu país? Eu nem falo espanhol!’ A minha mãe estava tão magoada, porque num dia eu queria ser uma atriz famosa, e no outro, eu queria ser freira, e ela não entendia o que se passava comigo… E eu me lembro de dizer a Nosso Senhor: ‘O que é isso? Eu preciso deixar tudo?’ E Ele disse: ‘Você vai deixar tudo, e assim você vai Me encontrar. Mas Eu serei sua mãe, seu pai, sua língua e seu país’. Em outras palavras, ‘Eu serei seu tudo’.” Agradeçamos a Deus, portanto, pelos jovens rapazes e moças que continuam se prostrando diante do altar e cantando com o salmista, Suscipe me, Domine, secundum eloquium tuum et vivam, et non confundas me ab expectatione mea! (Sl 118,116).

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