Em visita ao Brasil, Dom Dabiré, Bispo em Burkina Faso, relata a perseguição religiosa em seu país

A convite da ACN Brasil, o Prelado falou ao episcopado brasileiro na Assembleia Geral da CNBB

´Senhor Bispo, morreremos por Jesus, não o abandonaremos’, diz Dom Dabiré, emocionado, ao recordar o testemunho dos fiéis em Burkina Faso
Luciney Martins/O SÃO PAULO

Por ocasião da 61ª Assembleia Geral da CNBB, a Fundação Pontifícia ACN Brasil – Ajuda à Igreja que Sofre – trouxe Dom Laurent Dabiré, Bispo da Diocese de Dori e Presidente da Conferência Episcopal de Burkina Faso e Níger (no continente africano), para relatar a difícil situação dos cristãos e da Igreja na região do Sahel Central (Burkina Faso, Níger e Máli).

Além de apresentar sua experiência aos mais de 400 bispos brasileiros reunidos em assembleia em Aparecida (SP), Dom Dabiré se encontrou em audiência exclusiva com o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, e visitou santuários e paróquias em diferentes cidades, pedindo orações para a Igreja na África.

Burkina Faso, um país pouco conhecido geograficamente, está situado no norte da África. Com uma área territorial de apenas 274 mil km² e uma população de 22 milhões, a maioria das pessoas (80%) vive em áreas rurais. Segundo o relatório do Banco Mundial de 2022, o país está entre os dez mais pobres do mundo e 40% de sua população vive abaixo da linha de pobreza, com menos de um dólar por dia. “É nesse país que o Evangelho foi pregado há 125 anos”, explica Dom Dabiré, fazendo referência ao início da evangelização cristã em Burkina Faso, em 1900. E ainda completa, dizendo: “é um milagre ainda existir cristãos lá até hoje ”.

Em Burkina Faso existem 60 etnias e línguas diferentes. A maioria da população segue o Islã, representando cerca de 60%. Os cristãos constituem aproximadamente 24% da população, enquanto o restante pratica religiões tradicionais africanas. Há uma convivência pacífica entre esses grupos religiosos. A Igreja Católica está organizada em Comunidades Cristãs de Base, que correspondem a uma aldeia ou quarteirão na região. Os líderes dessas comunidades são os catequistas. Diferente do conceito tradicional associado a essa função, os catequistas em Burkina Faso têm uma responsabilidade abrangente que vai além da preparação para os sacramentos: “Os catequistas são organizadores da sociedade, eles desempenham papéis como realizar celebrações da Palavra, visitar e rezar pelos doentes, coordenar a distribuição de alimentos e medicamentos recebidos e organizar atividades para grupos das aldeias”, explica Dom Dabiré.

O ‘APOCALIPSE’ TERRORISTA

“Foi com a frase ‘A paz esteja com vocês’ que os terroristas abordaram o povo”, conta Dom Dabiré, ressaltando a ironia do início do período de massacre que ele denomina como “Apocalipse”. A menção é à chegada do terrorismo na região em 2015, com o assassinato de Muammar Al-Gaddafi, na Líbia, o que motivou o deslocamento dos terroristas para o Sahel Central. Desde então, a população vive com medo e se refugia nas poucas áreas livres que restaram no país.

No final de 2023, cerca de 60% do território de Burkina Faso estava sob domínio terrorista, e mais de 2 milhões de pessoas se deslocaram pela região em busca de alguma segurança. “Eles chegam e obrigam todos aos costumes e orações islâmicas, exigem que os homens deixem a barba crescer e que as mulheres andem com a cabeça coberta. O comércio de porcos e seus derivados é proibido. Os rapazes são levados para se tornarem soldados e as moças para serem escravas sexuais dos combatentes. E essa é a ‘melhor’ situação”, explica Dom Dabiré, fazendo distinção dos ataques mais violentos, nos quais os terroristas chegam atirando indiscriminadamente nos vilarejos e incendiando as casas. “Não deixam nada para trás nesses casos”, lamenta o Bispo.

Uma das estratégias dos grupos terroristas é a limitação da mobilidade, criando verdadeiros isolamentos dentro do país. Eles enterram minas nos acessos às vilas e controlam as poucas estradas restantes. Como resultado, dado que os hospitais e armazéns de alimentos estão concentrados na capital, muitas pessoas sofrem de fome e morrem por complicações de saúde que poderiam ser facilmente tratadas com medicamentos básicos. “Os terroristas, como o próprio nome sugere, usam o medo como ferramenta para impor suas ideologias. Não somos livres nem para visitar parentes que moram a mais de 3km de distância”, explica Dom Dabiré.

Para visitar áreas de sua Diocese, Dom Dabiré depende do helicóptero da Organização das Nações Unidas (ONU), concessão que obteve graças ao seu cargo de presidente da Caritas, o que justifica suas viagens como “missões humanitárias”. Além dos helicópteros, a única maneira de viajar pelo país é em comboios militares. Esses comboios consistem em fileiras de 400 a 500 caminhões, sempre escoltados por soldados do exército na frente e atrás. Isso porque os grupos terroristas acampados no meio das estradas são sempre de mais de 300 homens. Dentro desses comboios, além das pessoas que precisam se deslocar por qualquer motivo, são transportados médicos, mecânicos e suprimentos básicos. À frente dos comboios, vai um grupo de soldados equipados com detectores de minas e bombas, para prevenir explosões. Como resultado, atravessar uma região que normalmente levaria de 40 minutos a uma hora pode levar de sete a nove dias.

Para vir ao Brasil, Dom Dabiré se inscreveu para uma vaga no helicóptero. Foi informado que haveria uma viagem para a capital quinze dias antes do embarque do seu voo. Sem saber se haveria outra vaga a tempo, o Bispo aguardou duas semanas em Uagadugu para não perder o avião: “Eu não queria perder a oportunidade de contar ao Brasil que a Igreja da África precisa de ajuda. Fomos uma Igreja forte, a Igreja de Santo Agostinho e São Cipriano. Agora, todos os dias alguém vem a mim dizendo: ‘Senhor bispo, mataram 30 pessoas esta manhã’. Eu ainda nem terminei de ouvir esse relato e alguém interrompe dizendo: ‘bispo, acabaram de matar 15 pessoas perto de mim’. Eu pedi ao Senhor: Se quer que eu suporte isso, venha sobre minha cabeça, porque ouvir essas coisas todos os dias pode me enlouquecer”.

O SANGUE DOS MÁRTIRES, SEMENTE DE FÉ

Os horários e locais das missas são constantemente ajustados para evitar ataques. “Às vezes, celebramos às quatro da manhã, outras vezes às duas da tarde ou às cinco e sempre em lugares diferentes. Os ritos têm que ser rápidos, pois manter as pessoas reunidas por muito tempo é arriscado para elas”, explica o Bispo. Além dessas medidas preventivas, do lado de fora dos templos ficam os “olheiros”, cristãos que monitoram o local ao redor da igreja e alertam caso haja alguma movimentação suspeita. “Apesar de tudo isso, as igrejas estão sempre cheias e, nestes dez anos, não recebi notícia de que sequer uma pessoa tenha abandonado a fé católica. Eles me dizem: ‘senhor Bispo, morreremos por Jesus, não o abandonaremos’”, relata com lágrimas nos olhos.

Mesmo diante dessa realidade de perseguição e sofrimento, a fé em Burkina Faso continua crescendo. Recentemente, a Igreja expandiu as instalações do seminário menor devido ao aumento no número de jovens que buscam se tornar sacerdotes, como compartilha com alegria Dom Dabiré: “Em breve, teremos a ordenação de 25 padres”.

Os cuidados pastorais têm exigido coragem e criatividade dos pastores: “Uma vez, soube que um padre se vestiu como um terrorista e viajou de bicicleta entre os vilarejos para realizar batizados, casamentos e celebrar a Santa Missa. Eu pedi que não fizesse isso, mas fiquei feliz com a criatividade para levar a fé até as pessoas isoladas”.

O bispo de Burkina Faso, Dom Laurent Birfuoré Dabiré, e equipe em painel sobre a realidade da Igreja em seu país.
Victória Holzbach/CNBB

PROFISSÃO DE FÉ

Além de participar da Assembleia Geral da CNBB, Dom Dabiré visitou o Santuário Nossa Senhora de Fátima, uma réplica do santuário de Portugal, localizado no Rio de Janeiro. Também esteve no Santuário Cristo Redentor, onde concelebrou com o Cardeal Orani João Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro. Em São Paulo, visitou emissoras de tevês católicas como a Rede Vida de Televisão e a TV Século XXI, além de compartilhar seu testemunho na Paróquia Nossa Senhora no Brasil (foto), na Região Episcopal Sé; no Santuário Theotókos – Mãe de Deus, com o Padre Marcelo Rossi; e na Novena da Mãe da Divina Providência, na Paróquia Cristo Redentor, em Jundiaí (SP).

Em todos esses locais, Dom Dabiré expressou sua gratidão à ACN pela oportunidade da visita e pela ajuda prestada ao país há mais de 20 anos, especialmente nos últimos dez, durante os períodos de perseguição. Sobre o apoio recebido, Dom Dabiré destaca um diferencial significativo: “A ACN ajuda sem aparecer. Envia recursos e nós transformamos isso em assistência e o que fica para o povo é que a Igreja Católica acolhe e ajuda todo o mundo”.

Dom Dabiré ainda faz um apelo à Igreja no Brasil para que busque informações e ajude como puder os irmãos que sofrem, pois essa unidade é um testemunho reconhecido até pelos terroristas, e uma bela profissão de fé que os católicos podem oferecer: “Quando rezamos o Credo, professamos ‘creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica Romana’. Portanto, quando vocês doam para uma igreja distante, ajudando-a a sobreviver, estão professando sua fé não apenas com palavras, mas com suas mãos”.

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