Na Igreja, nem sempre somos nós que escolhemos os companheiros de missão. Eles nos são designados pela Providência de Deus. Conhecendo-se ou não, eles têm em comum, desde logo, a fé, o Evangelho, a Igreja e a missão.
Eu apenas conhecia vagamente o Cardeal Cláudio Hummes quando, em novembro de 2001, fui nomeado bispo auxiliar de São Paulo por decisão do Papa São João Paulo II. Dom Cláudio já era cardeal e tinha algo mais que três anos como arcebispo desta imensa Arquidiocese. Ele me ordenou bispo em 2 de fevereiro de 2002. Desde logo, impressionaram-me a liberdade e a confiança com que tratava seus seis bispos auxiliares. Fomos encarregados de tarefas enormes, desde o primeiro dia. Ele nos reunia com regularidade e dava as coordenadas pastorais e administrativas.
Em sintonia com as experiências vividas pela Igreja na celebração do grande Jubileu do ano 2000, suas preocupações eram a evangelização renovada e a caridade organizada. Estava em curso o “Seminário da Caridade” em toda a Arquidiocese, levantando dados sobre a ação social e caritativa nas comunidades e organizações eclesiais. Dom Cláudio também estava muito preocupado com o desemprego crescente e com a escassa evangelização do povo.
Em Roma, São João Paulo II levantava a voz para enviar toda a Igreja novamente em missão e anunciava: “Duc in altum” – algo como –, levem o barco para águas mais profundas! (cf. Lc 5,4). O Papa dizia que a evangelização ainda não acabou, mas está apenas no seu início! (Novo Millennio ineunte). E Dom Cláudio dizia em São Paulo: a missão precisa ser retomada, pois a Igreja é missionária por sua própria natureza! Não se trata de fazer missão de alguns dias e, depois, fazer o encerramento dessa atividade: a Igreja precisa estar em estado permanente de missão! Os bispos do estado de São Paulo, em base a essa urgência, elaboraram diretrizes no “Plano de Ação Missionária Permanente” (PAMP), que antecipou em muitas coisas as propostas da Conferência de Aparecida, que seria realizada anos depois, em 2007.
Em 2006, Dom Cláudio foi chamado a Roma para colaborar de perto com Bento XVI, como Prefeito da Congregação para o Clero. Com esse encargo, o Papa lhe confiava a responsabilidade de acompanhar os assuntos do clero de toda a Igreja. Dom Cláudio imprimiu, também lá, a “marca missionária” na sua atividade, dando instruções para que a formação do clero fosse renovada, de acordo com as necessidades e desafios do “novo milênio”. A dimensão missionária deveria integrar a formação de todos os sacerdotes, cujo ministério é missionário por sua própria natureza. Também os padres do clero diocesano devem receber formação missionária e abrir os olhos para os vastos horizontes da missão.
Uma vez cumprido o tempo de seu serviço em Roma, voltou a São Paulo em 2011. Poderia ter-se dedicado a tarefas amenas, desfrutando do merecido sossego da terceira idade, que já havia chegado. Mas Dom Cláudio ainda estava cheio de energias e guardava um sonho de juventude, não realizado, como ele próprio disse certo dia: ser missionário na Amazônia. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sem saber desse sonho missionário amazônico, convidou-o para presidir a Comissão Episcopal para a Amazônia, e ele, sem titubear, aceitou o desafio. Tratava-se de viajar muito pela Amazônia, visitar os bispos e suas dioceses ou prelazias, fazer contatos, ouvir o povo, avaliar as situações dos indígenas e ribeirinhos, pensar em meios para dar novo dinamismo missionário à presença da Igreja naquela região. E ele o fez com dedicação e idealismo juvenil. De suas iniciativas e reflexões surgiu a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), foi convocado pelo Papa e preparado o sínodo para a Amazônia, do qual Dom Cláudio foi o relator, e foi criada a Conferência Eclesial da Amazônia (Ceama), que ainda está em fase de estruturação definitiva. Nos quase dez anos de sua atuação como missionário da Amazônia, aquela região da América do Sul ganhou a atenção do mundo inteiro e a ação da Igreja recebeu ali um impulso extraordinário.
No entanto, a idade do Cardeal avançava e sua saúde cobrava um preço cada vez maior. Em março de 2022, ele renunciou a todos os encargos que tinha, para cuidar da saúde e se preparar para o grande encontro final com o Senhor da vida e da história, em quem ele creu e esperou e a quem serviu de maneira generosa. Nas celebrações da Eucaristia em sua casa, todas as manhãs, ele encontrava forças para continuar sereno e forte, mesmo diante da aproximação da morte. Pude testemunhar pessoalmente, em vários momentos, essa sua força interior. Ele dizia, cheio de confiança e serenidade, como quem tem a consciência de ter cumprido a sua missão neste mundo: estamos nas mãos de Deus.
Ao longo de sua vida, Dom Cláudio lançou muitas sementes de Evangelho, esperança e vida nova. Que elas brotem e frutifiquem ao longo do tempo. Deus o recompense!
O texto-homenagem de autoria de Dom O. P. Scherer traz a profundidade do pensamento de quem conhecia a nobilíssima alma do Cardeal Hummes. E quem não o conhecia por proximidade, percebia em seu semblante a doçura e a bondade de uma vocação dedicada.
Cardeal Hummes vive a definitiva presença de Nosso Senhor Jesus Cristo! Assim seja!