Dias atrás, um jovem jornalista me perguntou sobre os motivos da comemoração
do centenário do Cardeal Paulo Evaristo Arns. Achei que a pergunta poderia ser
uma provocação, mas levei a questão pelo lado bom e achei que valia a pena
responder, pois também podia ser uma busca sincera das razões para essa
comemoração. Por quais motivos comemoramos o centenário de Dom Paulo? Ou
o aniversário da dedicação da Catedral Metropolitana, como fizemos no dia 5 de
setembro? Ou o aniversário da Proclamação da Independência do Brasil, no dia 7
de setembro?
Comemorar significa trazer à memória e recordar. Naturalmente, com
características de festa, boas lembranças e algo mais. Não se fazem
comemorações de fatos detestáveis. Se muito, deles se faz a lembrança para que
isso sirva como advertência, para que nunca mais aconteçam.
Comemoramos o dia da Independência do Brasil como lembrança de um fato bom
e importante para nosso país e o povo brasileiro. Ao mesmo tempo, tomamos
consciência de que a independência não diz respeito apenas a circunstâncias e
fatos do passado, mas é uma construção contínua, que envolve cada geração, a
fim de que os objetivos e benefícios da independência cheguem a todos os
brasileiros. Assim, constatamos que, quase 200 anos após a Proclamação da
Independência, os seus benefícios ainda não chegaram a grande parte dos
brasileiros. Temos muito a fazer, também em nossos dias, para que isso aconteça.
Há muito o que fazer para que a grande desigualdade social e econômica do
Brasil seja superada; que os benefícios da educação, saúde, saneamento básico,
trabalho, habitação e alimento diário cheguem a todos. A Independência do Brasil
precisa se refletir numa convivência respeitosa, fraterna e solidária, em que
violências, discriminações e ódios sejam superados. A comemoração da
Independência do Brasil é um chamado a olhar para o presente e o futuro, com a
renovação do compromisso de trabalhar pelo bem do Brasil, considerado em sua
enorme diversidade regional social, cultural e humana. Um país verdadeiramente
independente não abandona nem descarta nenhum de seus filhos.
A comemoração do centenário do Cardeal Paulo Evaristo Arns, 5° arcebispo
metropolitano de São Paulo, é um convite a fazer memória desse grande cidadão,
Bispo e Pastor da Igreja, de sua personalidade marcante e os múltiplos aspectos
de seu empenho no serviço à Igreja e à sociedade. É hora de lembrar, para não
esquecer, o legado e as lições que Dom Paulo deixou. A Igreja faz história nos
acontecimentos e pessoas que testemunham tempos e situações vividas por ela e
pela comunidade humana e atitudes tomadas no desempenho de sua missão.
Dom Paulo viveu num momento muito especial da vida da Igreja, logo após o
Concílio Vaticano II, que procurou colocar em prática na sua ação pastoral. Mas
também viveu um tempo difícil na história do Brasil e não ficou indiferente diante
da situação vivida pelo povo brasileiro, empenhando-se com coragem e esperança
para a superação das agressões à dignidade humana e para o retorno à
convivência democrática.
Não há um tempo igual ao outro, embora possam existir muitas semelhanças.
Fazer a memória de personalidades do passado serve para nos inspirar na
construção do presente e na projeção do futuro. Uma construção boa requer
bases sólidas. A base sólida da Igreja é sempre Jesus Cristo, a Palavra de Deus e
o testemunho dos apóstolos. Mas ela também olha para as situações já vividas ao
longo de dois milênios e para o testemunho dos seus grandes protagonistas, ao
longo dessa história, perscrutando suas vidas e sua obra, para discernir sobre o
presente e sobre decisões a tomar.
Faço votos de que o centenário do nascimento de Dom Paulo Evaristo Arns, que
vamos abrir solenemente no próximo dia 14 de setembro, ajude a Igreja e a
sociedade a se confrontar com o testemunho e as lições que ele deixou.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo