Acabo de chegar de uma visita ao bispo e à diocese de Cruzeiro do Sul, no Acre, sudoeste da Amazônia brasileira. A diocese foi criada em 1931, como prelazia territorial do Juruá, e confiada aos missionários alemães da Congregação do Espírito Santo (Espiritanos). Até 2018, os bispos locais pertenceram a esse mesmo Instituto missionário. Atualmente, o bispo, Dom Flávio Giovenale, um missionário salesiano.
A diocese abrange toda a bacia do Alto Juruá, que nasce no Peru, um extenso afluente da margem direita do Solimões. A extensão territorial da diocese é de mais de 126 mil km. quadrados, correspondendo a bem mais de um terço do Estado de São Paulo, onde há 42 dioceses. Quatro das 15 paróquias da diocese ficam no Estado do Amazonas e as demais, no Estado do Acre. Diversas delas são acessíveis apenas por avião ou barco. A população não chega a 400 mil habitantes; mais de um quarto vive na cidade de Cruzeiro do Sul. Há numerosos ribeirinhos, em boa parte descendentes dos “capitães da borracha” cearenses que entraram floresta adentro à procura dos seringais já na segunda década do século XX. A população indígena também é numerosa e, no interior da floresta densa, mais perto da fronteira com o Peru, ainda há grupos de indígenas isolados.
Foi notável constatar o imenso trabalho missionário desempenhado naquela região remota do Brasil. Além do trabalho religioso e da organização das comunidades, com suas igrejas bem construídas, houve o implante de escolas, estruturas de saúde e assistência social, que seguem prestando relevantes serviços à população. Uma bela catedral moderna foi edificada em Cruzeiro do Sul em meados do século XX. É um verdadeiro monumento de fé e cultura, erguido às margens do rio Juruá, para cuja construção o ferro foi importado da Europa e precisou de meses para subir os rios e chegar ao seu destino no fundo da Amazônia. Os incontáveis tijolos do majestoso templo foram fabricados ali mesmo, numa olaria dos missionários. Da mesma indústria da cerâmica também saíram tijolos para pavimentar ruas e edificar casas para o povo.
O clero autóctone, formado no seminário diocesano local, ainda não é numeroso. Há diversas congregações religiosas femininas atuantes na diocese, dedicadas sobretudo à educação, saúde e assistência social, além do trabalho pastoral na Igreja. Muitos leigos atuam nas diversas pastorais e também na coordenação de comunidades da Igreja. Naquela diocese remota da Amazônia, encontrei as mesmas preocupações com a missão da Igreja que também temos nas metrópoles do Brasil. Há um esforço grande na renovação da catequese, na formação dos leigos, sobretudo em vista de sua presença no mundo, na caridade social, no atendimento aos pobres, dependentes químicos, indígenas e idosos. Infelizmente, também lá existe o problema das drogas e do tráfico. Há duas unidades da Fazenda da Esperança: uma masculina e outra feminina.
A população, em sua maioria, é bastante pobre, mas vive dignamente. A alimentação conta com muito peixe e farinha de mandioca local, bem saborosa. A renda da população, em grande parte, vem do serviço público municipal, estadual e federal, de programas sociais, como o Bolsa Família, e de aposentadorias. Nos centros urbanos, sobretudo em Cruzeiro do Sul, o comércio é vivaz e também abastece as populações do interior. Os produtos vindos do centro e sul do Brasil acabam tendo preços bem elevados, até mesmo por causa do frete e do fator de risco com o transporte. A cidade de Cruzeiro do Sul tem conexão aérea com linhas regulares, três vezes por semana, com o resto do Brasil. As localidades do interior são servidas regularmente por pequenos aviões.
Durante minha visita, corria a novena em preparação à festa de São Sebastião, muito venerado por lá. O povo católico, ainda maioria da população, acorria para os festejos em grande número. Durante a novena, visitei a comunidade de Jordão, um município isolado e só acessível de barco em quatro dias, desde a localidade mais próxima (Tarauacá), ou com um pequeno avião, com uma hora de sobrevoo da floresta praticamente intocada, também a partir de Tarauacá. Jordão estava cheia de gente vinda dos “seringais” – assim chamam as aldeias ribeirinhas. Muitos indígenas saíram de suas reservas e também participaram. Houve mais de 150 batizados durante a novena, a maioria dos quais eram filhos de indígenas. O testemunho da fé do povo simples, verdadeira e filial, era comovente.
Fiquei me perguntando: qual teria sido a motivação tão forte que levou os missionários a abandonarem suas terras de origem para se dedicar ao povo do interior ainda muito desafiador da Amazônia? Que força os levou a amar aquele povo e aquele pedaço do Brasil, a ponto de doarem suas vidas inteiramente, sem nada pedirem em troca, querendo também compartilhar a sepultura com o povo? Uma única coisa explica isso: a fé profunda em Deus e o amor ao Evangelho. Como São Paulo, “fizeram-se tudo para todos”, para levar a luz, o fermento e o sal do Evangelho do reino de Deus àquele povo. Não há outra explicação. E o prêmio deles será muito grande!