‘Estás com inveja porque sou bom?’

Um patrão sai de madrugada a contratar trabalhadores para a sua vinha. Promete-lhes uma moeda por jornada. Mais tarde, volta à praça para chamar novos diaristas às nove, ao meio-dia, às três e, finalmente, às cinco da tarde. Terminado o dia, acerta as contas, começando pelos últimos. Para surpresa geral, paga a cada um a quantia prometida por uma jornada completa.

Os Santos Padres interpretaram o “patrão” como alegoria de Deus Pai e a “vinha” como símbolo da Igreja. As horas seriam as etapas da aliança de Deus com os homens: a madrugada, o período compreendido entre Adão e Noé; as nove, aquele entre Noé e Abraão; o meio-dia, entre Abraão e Moisés; as três, entre Moisés e Cristo; e as cinco seriam os tempos finais, após a vinda do Salvador. Chegando por último e sem terem se submetido à Lei de Moisés (representada pelo “cansaço e o calor do dia”), os cristãos recebem um mesmo “salário”.

Santo Agostinho, convertido à fé tardiamente, interpretou as diferentes horas como as etapas da vida em que os indivíduos se convertem a Jesus Cristo. Uns O conhecem na infância; outros O descobrem na adolescência; na juventude; na maturidade; e por fim, como o bom ladrão, há quem se converta apenas no momento da morte. Tanto uns como outros recebem substancialmente a mesma paga pelo trabalho, isto é, a vida eterna. A primeira leitura de algum modo se adapta a esta interpretação: “Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o, enquanto ele está perto. Volte para o Senhor, que terá piedade, volte para nosso Deus, que é generoso no perdão” (Is 55,6s). Enquanto dura esta vida, sempre há tempo para nos convertermos a Deus.

Dando um mesmo pagamento a todos, o senhor da vinha não foi injusto com os trabalhadores da primeira hora. Afinal, ele fora chamá-los na praça; permitira-lhes ocupar o tempo com algo bom; dera-lhes o privilégio de estar com ele e de pertencer à sua vinha; e pagou-lhes com correção o que havia prometido de antemão. Podemos dizer que, enquanto com os primeiros ele foi simplesmente generoso, com os últimos foi supergeneroso! Trata-se, com efeito, de um senhor “bom” e que “faz o que quiser com os seus bens”. Também Deus nos desconcerta com sua supergenerosidade. Por isso, diz que “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos e vossos caminhos não são como os meus caminhos” (Is 55,8).

A bondade inesperada do patrão contrasta com a inveja (literalmente, o “olho mau”) dos trabalhadores do início. Perdendo de vista a oportunidade e os bens que lhes haviam sido concedidos, começaram a, com mesquinhez, comparar-se aos outros. Quando faltam reconhecimento e agradecimento pelos bens recebidos, surge a comparação e a inveja. O invejoso não enxerga o bem existente em sua própria vida e, deste modo, além de ser ingrato, sofre com o bem do próximo! Por isso, precisa aprender a enxergar, com “olhos bons”, os benefícios de Deus e dos homens na sua existência e, continuamente, agradecer!

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