Formar-se para formar

Educar os filhos tem sido um desafio cada vez maior. Existem muitas variáveis que concorrem para que isso aconteça: os pais são cada vez mais consumidos pelo mercado de trabalho, as moradias são cada vez menores e menos apropriadas às necessidades infantis, as informações disponíveis sobre a educação dos filhos são inúmeras e, muitas vezes, contraditórias, gerando confusão.

Para além disso, porém, e muito mais grave do que tudo isso, está a realidade de que estamos vivendo em uma época de extrema deformação, de jovens adultos que são frutos de uma mentalidade absolutamente hedonista; de uma geração que pouco foi formada nas virtudes, que tem dificuldades claras de identificar a verdade, de definir objetivos, de delimitar quais os valores que, de fato, são importantes para nortear a vida. Acontece que se torna impossível formarmos alguém, ou seja, contribuirmos para a formação do caráter e da personalidade de outras pessoas, se não nos dedicarmos primeiro a buscar uma sólida formação pessoal.

O que mais se busca hoje em dia é um modo “leve”, tranquilo e eficiente de educar os filhos. Vive-se a falsa ideia de que a vida precisa ser vivida sem grandes trabalhos, sem sair da zona de conforto e sem tirar os filhos dessa mesma condição. Parece que quanto menos os pais interferirem naquilo que os filhos têm por natureza (seus quereres, seus impulsos, seus comportamentos), mais os filhos serão livres e felizes. Tenho certeza de que não se pensa ou se age dessa maneira por deliberada falta de interesse em formar bem os filhos, afinal, geralmente, os pais querem o melhor para seus filhos. No entanto, estou absolutamente convencida de que uma vez imersos nessa mentalidade de conforto e prazer, de busca de uma felicidade fugaz, os pais acabam confusos sobre o que realmente é o bem para a formação de seus filhos.

Exatamente por isso, quero entusiasmá-los a que se dediquem a conhecer mais e melhor o que significa ser uma pessoa e a grandeza da missão que assumem quando geram uma nova vida. Hanna Arendt, filósofa influente no século XX, diz de modo muito belo que “cada criança que nasce é uma novidade: vem ao mundo alguém que é diferente de todos que viveram no mundo antes dele e dos que convivem com ele. A singularidade de todo ser humano faz com que a todo nascimento surja algo potencialmente novo, capaz de realizar algo inédito”. Ocorre que, para que a criança chegue a verdadeiramente alcançar todo o seu potencial e a marcar o mundo com sua singularidade, ela precisa ser bem formada. Precisa encontrar em seus pais pessoas comprometidas a gastar-se por ela, a implicar-se verdadeiramente com a difícil tarefa de forjar um caráter, de se envolver inteiramente no processo de lapidação de uma personalidade, para que bem formada, se torne capaz de viver com plenitude sua missão.

Então, queridos papais e mamães, precisamos sair da zona de conforto e nos dedicarmos a crescer em primeiro lugar. Identificar os valores que queremos transmitir a nossos filhos é o primeiro passo, mas, em seguida, e não menos importante, é preciso lutarmos por viver de modo coerente cada um desses valores. Precisamos lutar por ganhar as virtudes que tanto almejamos que nossos filhos tenham e, mais ainda, precisamos entender que não se trata de algo piegas ou ultrapassado viver de modo virtuoso; ao contrário, estamos nesse mundo cinzento e conturbado por termos deixado de lado a busca das virtudes; por termos acreditado nas mentiras que nos foram sendo contadas a respeito da vida – de que tradição é bobagem, de que tudo o que é moderno é melhor, de que precisamos aproveitar a vida loucamente, afinal ela é curta. Precisamos revisitar o sentido de nossa existência e aí, sim, veremos como isso tudo se encaixa.

Não é possível que as estatísticas assustadoras de ansiedade, depressão e suicídio na infância e adolescência não nos digam nada. Não acredito que, diante da realidade que estamos vivendo, estejamos convencidos de que estamos educando bem nossos pequenos, que estamos fazendo o melhor que podemos fazer. Isso não é verdade. A verdade é que estamos fazendo aquilo que nos convenceram de que seria o melhor a ser feito. Chegou o momento de abrirmos os olhos, de iluminarmos nossa inteligência, buscando a verdade e de mudarmos o rumo nesse processo.

Tanto conhecimento se busca para tanta coisa menos importante. Que se busque também para esse projeto que certamente será o maior e mais importante de suas vidas: a formação dos filhos. Mas tomem cuidado, pais: busquem em fontes sólidas, cristãs. Não se deixem enganar por modismos e facilidades. Gastem-se por seus filhos e encontrarão felicidade ao final do processo.

Simone Ribeiro Cabral Fuzaro é fonoaudióloga e educadora. Mantém o site www.simonefuzaro.com.br. Instagram:@sifuzaro

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