Segundo o Novo Testamento, por meio da fé em Cristo, passamos a ser “membros da família de Deus” (Ef 2,19). Afinal, o sacramento do Batismo fez com que nos tornássemos filhos adotivos do Pai celestial, “de quem deriva toda a paternidade nos céus e na terra” (Ef 3,15). Somos os irmãos de Jesus (cf. Mt 12,50), que procuram fazer a vontade de Deus. A Igreja é, deste modo, a grande “família da fé” (Gl 6,10) à qual pertencem todos aqueles que, por meio da graça santificante, estão unidos à comunhão dos santos.
Essa preciosa ‘familiaridade’ com o Senhor é aperfeiçoada em nós pela piedade filial, um dos dons do Espírito Santo. Por meio dela, confiamos em Deus como filhos; recorremos a Ele com intimidade, em todas as circunstâncias e lugares; encontramos prazer em nos relacionarmos com Jesus por meio da oração; e podemos dizer com a Escritura: “Vede que grande amor o Pai nos deu: que sejamos chamados filhos de Deus! E nós realmente o somos!” (1Jo 3,1).
Ao lado dessa ‘familiaridade boa’ com o Senhor, existe, todavia, uma ‘familiaridade nociva’. Trata-se da proximidade fria e rotineira com Deus, que nos leva a perder o temor e o amor por Ele, numa atitude semelhante àquela demonstrada no Evangelho pelos “irmãos” de Jesus – que na verdade são seus parentes (cf. Mc 6,2-3). Isso é muito comum entre aqueles que nasceram em berço cristão ou que se converteram já há algum tempo. Habituamo-nos a ouvir o Senhor pela Escritura, a recebê-lo na Comunhão, a ser ajudados diariamente por Ele, mas, lamentavelmente, perdemos o reconhecimento e a admiração por Jesus Cristo! Como consequência, não esperamos mais Nele, esfriamos em desejar a vida eterna e passamos a ter uma vida naturalista, como se Deus não interviesse em nosso auxílio.
Quando um cristão chega a esse estágio, embora até creia, passa a ser como aqueles “filhos de cabeça dura e coração de pedra” (Ez 2,4) de que fala o profeta. Cai em um crônico ceticismo e em uma triste indiferença. Perde a consciência de pertencer à família de Deus! Ao ver outros cristãos fervorosos, “fica escandalizado” (cf. Mc 6,3), de modo semelhante aos parentes de Jesus. Passa a não acreditar mais que alguém possa amar a Deus de verdade, não crê em milagres, relativiza os ensinamentos da fé, considera como exagerada qualquer manifestação de piedade, torna-se excessivamente crítico aos irmãos da Igreja. Enfim, entra em um ciclo vicioso já que, “admirado pela sua falta de fé, Jesus não lhe pode fazer milagre algum” (cf. Mc 6, 5), nem consegue mudar a sua mentalidade incrédula.
Se chegamos a esse triste estado, recorramos à Virgem Maria! Aos pés da Cruz, Ela nos foi dada como Mãe (Jo 19,27) justamente para nos assegurar sempre uma ‘boa familiaridade’ com nosso irmão Jesus. Apesar das nossas próprias fragilidades, pecados e dos defeitos dos irmãos, estaremos eternamente unidos à família dos Santos, à Sagrada Família de Nazaré e à Santíssima Trindade, num vínculo mais forte do que os laços de sangue.