As ‘luzes’ de Deus

Deus concede auxílios proporcionados à nossa vocação. Ao nos confiar uma missão, o Senhor nos dá luzes especiais, a fim de que a recordação dos bens recebidos sirva de apoio nos momentos de prova. A Isaías, o Senhor apareceu cercado de glória (Is 6), para que suportasse os males vindouros. Jeremias foi tocado por Deus (Jr 2) antes de iniciar o ministério que lhe faria tanto sofrer. Ezequiel viu a glória do Senhor (Ez 1) antes das calamidades que deveria anunciar e suportar. A revelação feita em êxtase a São João (Ap 1) aliviou seu exílio em Patmos e conforta ainda hoje a Igreja em suas tribulações.

A cada um o Senhor confere muitas ‘luzes’: momentos em que notamos claramente a sua presença, a compreensão infusa da fé, orações repletas de afetos sensíveis, bons propósitos, a certeza de uma vocação, a alegria no Matrimônio, períodos de entusiasmo para seguir a Jesus, a conversão de pessoas queridas, a cura de doenças e tantos favores especias. Esses momentos luminosos são como ‘dedadas de mel’ por meio das quais Deus confirma a nossa fé e nos prepara para as dificuldades, que sempre existirão. As ‘luzes’ de Deus aumentam em nós a esperança; a sua lembrança em meio aos males nos estimula, encoraja e recorda qual é o caminho a ser seguido, ‘ainda que tenhamos de passar pelo vale da morte’ (Sl 22,4).

Esse foi o sentido da Transfiguração de Jesus diante de Pedro, Tiago e João. Mos- trando-lhes a sua glória e divindade, o Se- nhor confirmou a profissão de fé ainda incipiente que Pedro acabara de fazer: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’ (Mt 16,16). Além disso, preparou os seus corações para as dores que adviriam em breve. Era necessário, com efeito, que Cristo ‘sofresse muito, fosse morto e, no terceiro dia, ressuscitasse’ (cf. Mt 16,21) e que os Apóstolos ‘renunciassem a si mesmos, tomassem a cruz e assim o seguissem’ (cf. Mt 16,24). A recordação das luzes concedidas por Jesus nos três anos de ministério e, especialmente, na Transfiguração permitiriam que João permanecesse com Cristo na Cruz, que Tiago fosse o primeiro a ser martirizado e que Pedro, apesar das claudicações, pudesse beber o mesmo cálice do Senhor ao ser crucificado.

Para confortar os irmãos atribulados por sofrimentos e sujeitos à tentação de se desesperarem, Pedro se recorda justamente da Transfiguração: ‘Fez-se ouvir aquela voz que dizia: ‘Este é o meu Filho amado, no qual ponho o meu bem-querer’. Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com Ele no monte santo. Assim se tornou ainda mais firme a palavra da profecia’ (2Pd 1,17-19). O Apóstolo menciona este fato pois ‘é meu dever despertar vossa memória’ (2Pd 1,13)!

Precisamos ter memória e, muitas vezes, olhar para trás e recordar as luzes do Senhor! Não podemos ser como ‘um cego que se esqueceu de que foi salvo’ (cf. 2Pd 1,9). Em certa medida, a Bíblia é isso: um contínuo olhar para trás que permite que, recordando a ação do Senhor no passado, olhemos para o futuro com coragem e esperança.

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