‘Não sou como os outros homens’

Nosso Senhor alerta contra um vício que torna a oração ineficaz: o orgulho. Este é o defeito mais grave e a origem de todos os pecados. O pecado de nossos primeiros pais veio da sugestão infernal de “ser como deuses” (Gn 3,5). Como um absinto que entorpece, cega e destrói a alma, o orgulho contraria frontalmente o Primeiro Mandamento. Santo Agostinho dizia que há dois amores possíveis nesta vida: o amor a Deus até o desprezo de si mesmo e o amor a si mesmo até o desprezo de Deus. O orgulho consiste nesta última opção! 

A parábola do fariseu e do publicano retrata alguns traços da alma orgulhosa. “Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria justiça” (Lc 18,9): o orgulhoso pensa que é justo. A presunção da salvação – um pecado contra o Espírito Santo – está entre as possíveis manifestações de orgulho. Sentindo-se “quite” com Deus, o orgulhoso pode até reconhecer que pratica coisas incorretas, mas pensa: “no meu caso é diferente”, “isso não é importante”, “há gente que faz pior”… Ele imagina justificar-se simplesmente por ser quem é. A maldade está nos outros, no mundo, mas não nele! O orgulhoso tende, por isso, a ser severo com os demais e complacente consigo mesmo. 

Um segundo traço das almas orgulhosas: “desprezavam os outros” (Lc 18,9). Dando muita importância para si mesmo e para suas opiniões e problemas, é comum que o orgulhoso – sem se dar conta – acabe por desprezar os outros. Não escuta o que os demais lhe tem a dizer; classifica e rotula as pessoas; interessa-se preferencialmente por aqueles que lhe podem trazer algum proveito ou que lhe parecem mais importantes, ricos, bonitos ou inteligentes. Acha normal que outras pessoas passem por certos sofrimentos, privações, injustiças ou humilhações que ele consideraria inadmissíveis para si mesmo. 

O desprezo pelos demais é decorrência de um juízo interno e profundo que o orgulhoso faz de si mesmo: “não sou como os outros homens” (Lc 18,11). Em geral, esta percepção se manifesta sutilmente, por meio de sentimentos como: “ninguém me compreende”, “ninguém sofre como eu sofro”, “ninguém enxerga as coisas como eu enxergo”, “a vida é mais difícil para mim do que para os outros”. Ao pressentir suas falhas, o orgulhoso se afunda na própria subjetividade, autojustificando-se e criticando ainda mais o entorno. E, quando é já impossível negar os seus defeitos e erros, irrita-se profundamente ou cai em amarga tristeza e depressão. Afinal, não admite que possa cometer os erros comuns dos homens. 

A humildade, ao contrário, é a chave que abre as portas para Deus. Ela abre nossa inteligência, escancarando a alma para a luz da fé. É mais poderosa que os nossos pecados, pois a humildade descerra o perdão de Deus. Ela faz com que recebamos os Sacramentos com fruto; e com que não impeçamos a ação do Senhor. Sem ela não há fé, esperança, nem verdadeiro amor. Ela é o princípio da oração, pois “a prece do humilde atravessa as nuvens” (Eclo 35,17). 

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Monica
Monica
1 ano atrás

Gostei muito deste artigo .A soberba atrapalha o lapidar da alma humana e a vivência de um coração mais fraterno, o mais próximo ou semelhante , ainda que, muito distante de ser igual ao coração de Jesus que ama os humildes de coração , pois através dele lapidamos nossa alma e a gratidão é o sentimento que representa essa humildade para com aqueles que colaboram para uma vida de caminhada rumo a santidade .❤️🙏