Certa vez, Jesus dormira na barca, durante uma forte tempestade. Acordado por discípulos desesperados, repreendeu-lhes a falta de fé e conjurou os ventos e o mar. Fez-se, então, grande bonança (cf. Mt 8,26). Agora, como que para exercitar-lhes na superação das dificuldades, Jesus manda que entrem na barca sozinhos, enquanto Ele fica em oração sobre um monte.
A imagem dos apóstolos numa frágil embarcação agitada pelas ondas enquanto Nosso Senhor permanece acima, em oração num alto monte, serve como retrato do tempo presente. A Igreja é batida por todos os lados, os discípulos tentam equilibrar-se no convés, e Cristo está junto do Pai, “sempre vivo para interceder por eles” (Hb 7,25).
O Senhor, contudo, não se limita a orar. Vai até os discípulos para auxiliá-los, assim como hoje nos visita e ajuda d e diversos modos. A chegada do mesmo Jesus, contudo, que haviam conhecido tão bem, a quem tinham anunciado nas cidades e aldeias e em cujo nome haviam feito milagres e exorcismos, leva-os a “apavorar-se” e a “gritar de medo”: “É um fantasma!” (Mt 14,26).
O medo, o cansaço e a falta de vigilância podem fazer-nos apavorar diante de Cristo, especialmente da sua Cruz, dos seus planos inesperados, das suas exigências, do seu ensinamento sempre atual e antigo. Se nos faltar oração e sobriedade, será impossível reconhecer, no momento oportuno, o rosto amável do Senhor, sobretudo se nos entregarmos ao pecado; e a sua visita amorosa – que se dá em meio aos acontecimentos da vida e na hora da morte – parecerá motivo de aversão e de horror.
Jesus lhes conforta com a habitual admoestação: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” Como não lhes convencia totalmente, porém, Pedro toma a dianteira: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre as águas” (Mt 14,28). Este pedido extravagante (e arriscado, já que as ondas eram fortes) é, em si mesmo, demonstração de fé na presença do Senhor. Essa é uma das tantas ocasiões em que Pedro vai à frente, mostrando aos demais discípulos o caminho.
São João Crisóstomo observa que, embora fizesse algo absolutamente extraordinário, Pedro sentiu medo não devido ao mais difícil – o fato de caminhar sobre as águas –, mas, sim, por causa de algo mais simples e corriqueiro: “O vento” (Mt 14,30). Assim também nós, frequentemente, nos acostumamos com graças impressionantes, que damos por descontadas: o fato de existirmos, a fé em Deus, os benefícios que o Senhor fez a nós e a pessoas próximas, os períodos de paz e alegria, as experiências de oração que tivemos… E, no entanto, apavoramo-nos com contrariedades, dores, frustrações e períodos que, por difíceis que sejam, passarão!
O Senhor até permite que esses momentos de dificuldade e escuridão venham para que, olhando para trás, percebamos que caminhávamos sobre as águas e não sabíamos! Quando pensávamos que éramos apenas nós, era Ele quem nos sustentava! E, como a Pedro, Ele nos estende mais uma vez a mão e pergunta: “Por que duvidaste?”