Amor de mãe, amor de Deus

Em 1978, num tempo que hoje pode parecer longínquo, dada a velocidade das mudanças na sociedade, o Beato João Paulo I, o “Papa Sorriso”, declarou que Deus é pai, mas também é mãe. A afirmação não implicava nenhuma novidade teológica: o Pontífice apenas desejava enfatizar o amor terno e misericordioso, cheio de atenção e cuidado, de Deus por nós. O Papa acrescentaria, a seguir, “os filhos, se por acaso estão doentes, possuem uma razão a mais para serem amados pela mãe. Também nós, se por acaso estamos doentes de maldade, fora do caminho, temos uma razão a mais para que o Senhor nos ame”.

Anos antes, o Padre Zezinho havia escrito, em sua canção Maria de Nazaré: “Em cada mulher que a terra criou / Um traço de Deus Maria deixou / Um sonho de mãe Maria plantou / Pro mundo encontrar a paz”.

A maternidade, que inclui, ao mesmo tempo que transcende, o dado biológico da gestação, traz ao mundo um vislumbre da grandeza do amor de Deus.

Nossa sociedade, contudo, tem assistido a uma demolição cultural da maternidade. De um lado, acostumamo-nos a desconsiderar as nossas falhas, ao mesmo tempo em que cobramos perfeição dos demais. Assim, o amor materno, tão falível quanto qualquer outra experiência humana, tende a parecer falso porque imperfeito. Por outro lado, a maravilha da maternidade se apresenta, para muitas mulheres, como uma obrigação imposta e não como uma escolha assumida… E as imposições tendem a ser como uma fuligem negra que recobre qualquer brilho, não permitindo que ele se revele a nossos olhos.

Apesar disso tudo, a maternidade – provavelmente por ser tão constitutiva da experiência e da natureza humana – permanece como o sinal mais comovente e poderoso de amor, ternura e cuidado que somos capazes de vislumbrar. O “Dia das Mães” pode ser uma data impulsionada pela necessidade comercial de vender, como dizem muitos críticos, mas é tão bem-sucedida porque corresponde realmente a um desejo do coração da imensa maioria da população (afinal, não somos todos filhos?).

Contudo, a “desconstrução” da imagem materna representa um desafio que precisa ser adequadamente enfrentado. Não basta travar “batalhas culturais” que, na verdade, se tornam frequentemente disputas ideológicas e partidárias. O real desafio é construir espaços em que a força e a beleza da maternidade possam ser reconhecidas, cultivadas e desfrutadas por todos, mães e pais, filhos e filhas…

Um primeiro passo, muito difícil para alguns, é reconhecer todas as sombras e trevas que ocultaram a beleza da maternidade em nossa sociedade. Temos que reconhecer aquelas situações em que a dignidade feminina não foi (ou não vem sendo) respeitada, em que o desejo de realização da mulher foi negado ou reduzido a uma experiência de maternidade imposta. Muitos “jogam a criança junto com a água suja”, isso é, renegam o valor da maternidade por causa dos erros que a sociedade tem cometido para com as mães. Então, temos que mostrar claramente qual é a “água suja”, para que a maternidade possa ser vivida em toda a sua beleza.

O segundo passo, mais difícil para outros, é aprender a viver a gratuidade do amor. Nenhum amor humano é perfeito, mas todo amor humano pode crescer e brilhar para os nossos corações. Não adianta criticar as ideologias que desconstroem a maternidade sem ajudar as pessoas que não se descobriram amadas… Porque esse é o grande desafio: o ser humano precisa descobrir-se amado para ser capaz de amar. Quanto maior a consciência de ter recebido um amor verdadeiro, maior a capacidade de amar verdadeiramente. E, apesar das inevitáveis falhas, não há amor humano mais próximo do amor de Deus do que aquele das mães.

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