Cardeal Tolentino – premissas para uma cultura da misericórdia 

Entre os momentos marcantes da vida da Igreja em São Paulo neste ano que está findando, constituiu-se como um verdadeiro kairós a passagem, no último mês de agosto, do Cardeal José Tolentino de Mendonça, Prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação, aqui proferindo três conferências (este artigo se ocupará de duas), em que transparecem a criatividade e a beleza de um pensamento contemplativo a par do realismo da “mudança de época”. Deixou orientações de ordem sapiencial e pastoral para o futuro da evangelização, sobretudo por refletirem a fundo o espírito do atual Pontificado, em especial a esperança de uma renovação teológica em estreita ligação com a renovação eclesial. 

No encontro com a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), tratou – sempre em um plano mais universal – da convergência criativa entre: 1) pedagogia e diálogo; 2) método e investigação; e 3) ação pastoral, visando a que as ciências pedagógicas e as instituições educativas identifiquem novos paradigmas e propostas mais adequadas. Acrescentou fundamentos à “perda do sentido da história” (cf. Fratelli tutti, 13-14), sendo tarefa indispensável da educação não deixar ignorar a relação (histórica) entre cultura e religião, mediante um diálogo intercultural nos processos educativos, “processos” que remetem à “superioridade do tempo sobre o espaço” (cf. Evangelli gaudium, 222-225): o “tempo” está intimamente relacionado com a investigação pedagógica, como um projeto de longo prazo e de grande alcance. 

A “ação pastoral” – segundo o Cardeal Prefeito – se inspira nos quatro critérios enumerados no Proêmio da Veritatis gaudium (VG): querigma (4a), diálogo (4b), método (4c.d) e “trabalhar em rede” (4d), sendo “critério prioritário e permanente a contemplação e a introdução espiritual, intelectual e existencial no coração do querigma” (VG 4a). Ao “método”, conferiu um caráter eminentemente patrístico: “unidade entre o saber e a pastoral” – “visão unitária e orgânica da ação pastoral”. 

Esses elementos se ligam à outra intervenção do Cardeal Tolentino – “Que teologia para o nosso tempo?” –, nos 75 anos da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção e 10 anos da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo. A teologia é chamada a uma reflexão e a um repensamento, de acordo com o recente documento pontifício Ad theologiam promovendam. E a dinâmica da evangelização depende do exercício teológico, de uma “chamada a interpretar profeticamente o presente e a vislumbrar novos itinerários para o futuro” (n.1), enquanto saber crítico e sapiencial; mas uma teologia “popular”, misericordiosamente dirigida às feridas abertas da humanidade e da criação (n.7). Precisamos de novos paradigmas de sabedoria, de uma nova gramática. O Cardeal cita Karl Rahner: “A Igreja tem sido conduzida pelo Senhor da história para uma nova época”. E termina com o documento do Papa: “A teologia coloca-se ao serviço da evangelização e da transmissão da fé, para que a fé se torne cultura, isto é, o ethos sábio do povo de Deus, uma proposta de beleza humana e humanizadora” (n.8). 

Se as intervenções do Cardeal Tolentino contêm linhas para a necessária renovação teológica, nelas também se encontram premissas para a elaboração de uma teologia tridimensional do tempo do culto e da cultura da misericórdia (tempo-culto-cultura).

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