Nunca devem ser desprezadas as grandes intuições e profecias da Igreja, e uma delas, certamente, está consubstanciada no Vademecum dos Centros Culturais Católicos (1998), elaborado pelo então Pontifício Conselho da Cultura, sob a inspiração do “projeto cultural da Igreja italiana”. Ao Vademecum se seguiu um importante documento – hoje um pouco esquecido –, “Para uma Pastoral da Cultura” (1999), do mesmo Dicastério, que trata, entre as “propostas concretas”, dos Centros Culturais Católicos (n° 32). Apesar de suas especificidades, o documento adota – sempre em um horizonte escatológico – o sentido pleno e amplo de cultura do Concílio Vaticano II, para a evangelização da cultura e a inculturação da fé, “pois o Evangelho leva a cultura à sua perfeição e a autêntica cultura é aberta ao Evangelho” (São João Paulo II, no 39). A cultura – convém frisar – está em “situação escatológica”, sem o que nem sequer seria possível ao caminho sinodal promover a catolicidade da Igreja comunhão, estendendo-a a todos os homens e povos.
Por outro lado, o Documento de Puebla (n° 400) afirma que, “na ordem pastoral, continua válido o princípio de encarnação formulado por Santo Ireneu: ‘O que não é assumido não é redimido’”. Para o Doctor unitatis, assim como para São Paulo, trata-se de “recapitular todas as coisas em Cristo”: o princípio da encarnação fornece a lógica da inculturação e tem seu núcleo na “recapitulação”, a qual é antecedida e se cumpre por um desígnio eterno de misericórdia (Ef 1,9-10; cf. Gaudium et Spes – GS 45). Neste início do novo milênio, teremos de redescobrir o mistério da misericórdia de Deus, cuja onipotência assume, purifica, reforça e eleva todos os bens, como o fundamento de uma pastoral inculturada da misericórdia. Passar da inculturação/recapitulação à catolicidade (cf. Lumen gentium – LG 13) é obra do caminho sinodal e indica, em última análise, o modo pelo qual o Amor de benevolência se torna transversal a toda a evangelização, conforme anela o Papa Francisco.
Portanto, a dinâmica de uma “pastoral da cultura da misericórdia” permite adaptar/inculturar a ideia dos Centros exposta no Vademecum (trad. CELAM, 2004), agora como “Centros Culturais da Misericórdia”, já que na sua concepção original tais Centros apresentam uma rica diversidade de nomes, orientações, temas e atividades, atuando em rede, sempre em comunhão com a Igreja. Eles são instrumentos de evangelização capazes de penetrar capilarmente nos mais diversos âmbitos, e muito provavelmente representam, em grande parte, o futuro da evangelização: “A Igreja necessita de um número infinito de pequenos centros, de pequenas iniciativas das mais variadas índoles”.
Na sua metodologia pastoral, o Vademecum se articula em três momentos fundamentais – Por quê? O que é? O que fazer? –, além de outras tantas indicações práticas. Em perspectiva teologal – aqui reelaborando o Vademecum (pp. 69-70) –, um Centro Cultural da Misericórdia é um ato de fé, confiança e esperança na onipotência da misericórdia divina; é, enfim, uma obra de misericórdia, um ato de amor vivido. Essa dimensão fundamental da pastoral deve renovar a cultura, desde dentro, até sua transfiguração final, de acordo com a Economia do Verbo Encarnado. E a tensão “econômica” de uma teologia tridimensional da misericórdia (tempo-culto-cultura) poderá impulsionar esses centros/comunidades sinodais/missionários, pois, segundo a imagem do “pequeno grão de mostarda” (cf. Vademecum, p.47s), eles contêm em si, potencialmente, uma profecia cultural da misericórdia.