“Un’ arte sinfonica al servizio della misericordia” – estas palavras no frontispício da edição de 3 de outubro de 2024 do L’Osservatore Romano parecem abrir um novo tempo de uma Igreja sinodal, missionária e misericordiosa: são palavras tiradas do discurso do Papa Francisco, no dia anterior, na abertura da segunda sessão do Sínodo sobre a sinodalidade, em que diz: “Exercitemo-nos juntos em uma arte sinfônica, uma composição que a todos nos una ao serviço da misericórdia de Deus”. Porque – segundo ele – o Espírito conduz à verdade completa (cf. Jo 16,13) e guia os que estão reunidos na Assembleia do Sínodo para dar uma resposta de como ser a Igreja sinodal missionária: “Eu acrescentaria misericordiosa”.
Outra ideia fundamental do discurso: como um povo que é sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano (Lumen gentium 1), percorremos “juntos” o caminho da Igreja, convictos de sua “essência relacional”, cujas relações dadas e confiadas à nossa responsabilidade e criatividade sejam uma manifestação da gratuidade da misericórdia de Deus: “Uma pessoa que se diz cristã, mas não entra na gratuidade e na misericórdia de Deus é simplesmente um ateu disfarçado de cristão”, pois “é a misericórdia de Deus que nos torna dignos de confiança e responsáveis”. Para sermos convincentes como Igreja sinodal e missionária, tal caminho deve manifestar a experiência da gratuidade da misericórdia de Deus, a experiência de sermos “misericordiados”, segundo o já conhecido neologismo do Papa.
Percorrendo os acontecimentos da história da salvação até quando o Senhor Jesus, crucificado e ressuscitado, derramou o seu Espírito Santo em Pentecostes, o Papa nos mostra que “desde então, encontramo-nos a caminho, como ‘misericordiados’, para a realização plena e definitiva do amor do Pai. Não esqueçamos esta palavra: somos ‘misericordiados’” – se entramos no conhecimento (no sentido bíblico) da gratuidade da misericórdia de Deus.
Mas se desejamos sinceramente conhecer o sentido de “misericordiati”, recorramos, por exemplo, à homilia do Papa Francisco no Domingo da Divina Misericórdia (11/04/2021), em que o termo ocorre seis vezes para explicá-lo a partir do Evangelho dessa festa (Tomé), como um protótipo: “Como pode uma ferida curar-nos? Com a misericórdia. Naquelas chagas, como Tomé, tocamos com a mão a verdade de Deus que nos ama profundamente […] E deixamos de duvidar da sua misericórdia […] Isso acontece em cada Missa […] As suas chagas luminosas rasgam a escuridão […] E como Tomé, nós Lhe dizemos comovidos: ‘Meu Senhor e meu Deus’(Jo 20,28) […] E tudo nasce daqui, da graça de ser ‘misericordiados’. Daqui começa o caminho cristão”. Assim a Deus caritas est (12): “O olhar fixo no lado traspassado de Cristo (Jo 19,37) compreende o que serviu de ponto de partida a esta carta encíclica […] A partir daquele olhar, o cristão encontra o caminho do seu viver e amar”.
O discurso do Papa Francisco acentua de modo transversal a dimensão pneumatológica da Igreja sinodal. Mas onde encontrar a compreensão unitária da misericórdia infinita do Pai e do Espírito Santo? Na Trindade Santa, a partir da formulação trinitária do querigma centrada em Pentecostes (cf. Evangelii gaudium, 164): é o grande rio da misericórdia, a Fonte que brota e flui incessantemente do seio da Trindade, ou seja, “o rio de água da vida […] um dos mais belos símbolos do Espírito Santo” (cf. Misericordiae vultus, 25; Catecismo da Igreja Católica, 1137). Nesta fonte, somos “misericordiados”, no Domingo da Misericórdia e em cada Missa, para nos tornarmos misericordiosos.