O teatro e o Sagrado

Poderíamos pensar este tema sob diversos aspectos: o fato de todas as tradições teatrais do mundo terem suas origens em rituais religiosos; a tragédia grega ter como um de seus pilares a religião na busca da formação/educação do homem pleno; as muitas experiências teatrais com fins de difundir mitos e crenças sagradas; a relação que diversos mestres do teatro fazem entre a função do artista de palco e o sacerdócio, ou xamanismo; a percepção, mais sutil e velada, que apreendemos de muitas pessoas que se dedicam a esta arte, sobre o mistério da existência e a busca do transcendente.

Escolhemos, porém, refletir aqui sobre uma das mais concretas realidades do fazer teatral: o encontro entre Eu e Tu no momento presente. Esta é a base fundamental desta arte, sem a qual ela não seria o que é. Este fundamento nos leva, passo a passo, inevitavelmente, à compreensão do Sagrado em nós e no meio de nós. O Teatro só se realiza na dimensão do encontro com o outro e nos ensina, de forma inequívoca, que só existimos e somos na relação com aqueles que não são nós mesmos.

Tudo no Teatro é esta verdade vivenciada: autor e personagem; personagem e ator; diretor e ator; ator/ personagem e outro ator/personagem; estes atores/personagens e cada pessoa da plateia. Sempre há relação! E nesta relação viva e ao vivo, no aqui e no agora, com todo o nosso ser envolvido – corpo/voz; pensamento e entendimento; emoções e intuições; memória e imaginação – podemos nos descobrir, nos construir, nos compreender, nos significar como seres humanos.

Cada personagem vivenciada; cada palavra poética tornada carne no ator; cada gesto repetido milhares de vezes; cada entonação intencionalizada; cada dor sublimada no belo da cena; cada riso consciente de si; cada memória reintencionalizada a serviço do outro, nos permite mergulhar em inúmeras dimensões do que somos humanamente.

O Teatro que se percebe como um processo de mergulho no Sagrado, nos conduz a descobrir nossa própria face por meio das centenas de máscaras que vivemos a cada cena e, diferentemente da vida, pois no palco nunca se mente – tudo é convenção de representação – neste jogo paradoxal, vamos nos percebendo naquilo que realmente somos.

Tudo no Teatro é máscara, não no sentido do esconder-se, mas no de revelar-se. Tudo no Teatro é espelho, não no sentido narcisista, mas no sentido de se ver no rosto do outro e de se encontrar neste encontro. E não seriam estes os principais veios de todo caminho verdadeiramente espiritual na busca do Sagrado: o descobrir-se a si mesmo no e com o rosto do outro?!

Apreendemos, então, que só na relação com o diferente de nós mesmos é que nos constituímos e assim, na experiência de muitos que viveram e vivem o Teatro, avançamos para compreender que, como humanidade, precisamos de um OUTRO que venha, neste espelhamento, nos revelar a mais profunda e primitiva face que trazemos em nós. Dessa forma, a Arte Teatral pode, e a meu ver deve, se abrir para a dimensão do OUTRO transcendente, não o outro/natureza, com quem também devemos nos relacionar, mas o OUTRO que, não sendo nem mesmo natureza, nos constitui na nossa verdadeira natureza.

Portanto, de maneira concreta, caminhamos na BELEZA desta arte para uma VERDADE profunda que nos funda no AMOR. O Teatro como um caminhar na direção de nós mesmos que nos encontramos nos olhos do OUTRO. O Reino no meio de nós! O Teatro e o Sagrado!

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