Cada novo passo na vida da Igreja é um regresso à fonte, uma experiência renovada do encontro com o Ressuscitado que os discípulos experimentaram no cenáculo na noite de Páscoa […] Nesta Assembleia sinodal, nós nos sentimos envolvidos pela sua misericórdia e tocados pela sua beleza (Documento final do Sínodo dos Bispos, DF 1, 2021-2024). A Igreja se renova mediante as surpresas do Espírito Santo. Este artigo quer testemunhar uma dessas surpresas, de caráter eminentemente sinodal.
Trata-se do recente e decisivo impulso do Papa Francisco: “A oração mais popular, dirigida como um dardo ao Coração de Cristo, diz simplesmente: ‘Eu confio em Vós’” (Dilexit nos, DN 90), citando Santa Faustina Kowalska (Diário, 47), para remeter à fórmula “Jesus, confio em Vós” da imagem da divina misericórdia. Aí podemos discernir fundamentos que na tradição da oração pertencem à invocação do Nome de Jesus: é o Nome que contém “toda a economia da criação e da salvação. Orar a Jesus é invocá-Lo, chamá-Lo em nós. Seu Nome é o único que contém a Presença que significa [segundo a experiência da Igreja]” (Catecismo da Igreja Católica – CIC 2666). “Oração a Jesus” significa toda invocação do Seu Nome, como também a oração oriental do coração (cf. CIC 435; Diretório para a Catequese, 87 e nota 55). A invocação “Jesus, confio em Vós” é propriamente uma oração do coração, em conexão com a mística pascal da misericórdia, como se está delineando atualmente.
Ensina, ainda, o Catecismo que “a tradição espiritual da Igreja insiste também no coração, no sentido bíblico de ‘fundo do ser’ (Jr 31,33), no qual a pessoa se decide ou não por Deus” (CIC 368). É o lugar “em que eu ‘desço’”, lugar da decisão, no mais profundo das nossas tendências psíquicas, lugar da verdade, no qual escolhemos a vida ou a morte. É o lugar do encontro e da Aliança (CIC 2563). Por isso mesmo, o grande convite lançado pela encíclica Dilexit nos (cf. DN, cap. I) – recepcionado, aliás, pelo DF 51 –, para que o nosso mundo recupere o que é mais importante e necessário: o coração, desde o Coração de Cristo. O coração é o centro do ser (alma e corpo), no qual tudo está unificado e deve reinar o amor (cf. DN 21). É preciso retornar ao coração, pois o homem contemporâneo está quase privado de um princípio interior que crie unidade e harmonia no seu ser e no seu agir. “Falta o coração.” (DN 9).
Ao tratar da “conversão das relações”, a partir da essência relacional da Igreja, o DF 50 deixa patente a importância do coração para alcançar tal fim; portanto, segundo as indicações aqui reunidas, a invocação “Jesus, confio em Vós” tem o seu papel na busca da unidade na Igreja sinodal, ao fazer penetrar a misericórdia de Deus no coração do homem.
Há alguns anos, dediquei dois artigos ao tema, isto é, uma oração do coração sob a fórmula “Jesus, confio em Vós”: “esta é um ‘sim’ ao desígnio misericordioso, que nos faz entrar na justiça e na paz do Reino de Deus […] O santo nome de Jesus nós o recebemos, brota gratuitamente e não por nossas forças – é mistério revelado aos simples; é graça e misericórdia” (“O nome misericordioso de Jesus”, O SÃO PAULO, 27/02/20). “Podemos discernir – na dinâmica da economia da oração – o sinal de um desígnio divino representado pela invocação do santo nome de Jesus sob essa fórmula […] ordenada a uma concepção da oração do coração própria de um tempo da misericórdia. Aí ela se torna a expressão de um desígnio eterno de misericórdia” (“A invocação ‘Jesus, confio em Vós’”, O SÃO PAULO, 28/07/21).