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Os quatro tipos de pensamentos 

Os monges e monjas que iniciaram o monaquismo cristão no Egito e na Palestina nos séculos III e IV descobriram que temos quatro tipos de pensamentos. Um dito famoso dessa tradição diz que a nossa mente funciona como a água dentro de um balde. Se a água é agitada, não conseguimos enxergar o fundo, mas se a água para e se torna calma, o fundo do balde torna-se visível e transparente.

Por isso, diziam, precisamos de um pouco de solidão, silêncio e de estar conosco mesmos. Quando o fazemos, aos poucos, a água agitada da nossa mente vai se acalmando e conseguimos enxergar o que nos move. Descobriremos que os pensamentos estão sempre na origem do nosso agir. Para usar uma expressão bíblica, tudo nasce no nosso “coração” (que significa pensamentos, entendimentos, e não só sentimentos). É no coração que nascem as obras boas e as más, diz Jesus.

E o que vemos quando o nosso coração, nossa “água” interior se acalma? Que agem em nós os pensamentos sugeridos pelos demônios, pelos anjos, pelo Espírito Santo e pelo nosso próprio raciocínio. Quem observar os próprios pensamentos, que a tradição da Igreja chama de discernimento, não terá muita dificuldade em identificá-los pelas suas próprias características. Embora exijam sempre vigilância e atenção constante. 

Os pensamentos insuflados pelos demônios vêm de fora, são insistentes, às vezes ofuscantes (não conseguimos tirar “aquilo” da cabeça), nos enlevam, nos iludem, e, por fim, nos destroem. Evágrio Pontico (c. 346 – 399/400, Egito) descreveu essa ação dos demônios em oito tipos de pensamento que em grego chamam-se logismói: gula (voracidade ou comportamento voraz), luxúria (desejos sexuais descontrolados), avareza (ou mesquinhez), ira, tristeza, preguiça, vanglória, soberba (uma boa descrição deles e seu método de cura encontra-se no livro O céu começa em você, Editora Vozes).

Os pensamentos sugeridos pelos anjos, ao contrário, são intuições verdadeiras, harmoniosas, calmas, nos enchem de alegria pacífica, nos dão segurança e nos ensinam a como nos mover bem em uma determinada circunstância, para nosso proveito e dos outros. São delicados e nunca ofuscantes. São sutis e respeitosos da nossa liberdade. Diferentemente dos logismói, não nos dominam, nem nos arrastam. A oração é necessária para que “escutemos” a sua voz. A evidência de que são os anjos que nos sugeriram aquela “compreensão” e “maneira de ver”, e não nós mesmos, se dá pelo fato de que nos surpreendem, não vêm de nós. Como a dizer: “Não tinha pensado nisso, mas é a melhor coisa a fazer, é a forma verdadeira de considerar essa situação”. São como uma luz que nos ilumina em nossas ações. Uma luz pacífica e harmoniosa.

Mas há ainda um outro tipo de pensamento que vem do nosso interior. É uma luz quente, forte, que fulgura dentro do nosso peito e nos muda, até fisicamente. Este é o Espírito Santo que habita em nós. Cada ação sua, se O deixarmos, representa uma mudança na nossa vida e da nossa pessoa. É como uma pequena ressurreição. Sua ação dentro de nós nos converte e transforma. É preciso que estejamos abertos para recebê-Lo, e a condição é uma autenticidade consigo mesmo, um desejo sincero de verdade e, sobretudo, de humildade.

Por último, existem os nossos próprios raciocínios, as nossas reflexões e análises humanas. A cultura moderna esqueceu o ensinamento dos antigos e passou a considerar e a ensinar que só temos este último tipo de pensamento, que faz parte da nossa natureza. É verdade, mas existem também os outros…

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