Penitência quaresmal

Estamos às portas da Santa Quaresma, aquele tempo forte em que a Igreja, como um João Batista no deserto, nos chama a preparar o caminho do Senhor, por meio da conversão e do arrependimento de nossos pecados. 

Nessa época, há um conselho que sempre se ouve nas pregações: a penitência da Quaresma não significa simplesmente parar de cometer pecados, mas, também, conquistar virtudes; afinal de contas, do que adianta “parar de fofocar e maldizer os outros” durante 40 dias, e depois retomar este pecado? 

Esse conselho é justo, e convém a cada um de nós escolher sim uma penitência voluntária para fazer. No entanto, nada impede que também aproveitemos a Quaresma para viver melhor as nossas obrigações ordinárias, sobretudo aquelas que temos deixado um pouco de lado. O próprio João Batista, quando iniciou sua pregação e chamava o povo a uma conversão realmente frutuosa, muitas vezes aconselhava simplesmente o cumprimento regular dos próprios deveres: aos cobradores de imposto, ele mandava não serem corruptos, exigindo mais do que o previsto nas leis; e aos soldados, ele mandava não praticarem a violência sem necessidade e não defraudarem a ninguém, contentando-se com seu salário (cf. Lc 3,12-14). 

Nesse sentido, em vez de escolher “propósitos” extraordinários para a Quaresma, melhor seria nos esforçarmos para cumprir com primor nossas responsabilidades do dia a dia: para um jovem, ser zeloso em seus estudos e ajudar nas tarefas de casa; para um profissional, ser pontual e diligente em suas funções; para um pai e mãe de família, ser generoso na doação bem-humorada de si próprio ao cônjuge e aos filhos. Poderíamos chamar essa prática de penitências “escondidas”, porque, diferentemente da dieta a pão e água, não chamam a atenção de quem está ao redor nem acabam se tornando um fardo para os demais – afinal de contas, não é justo impor aos seus familiares a mesma dieta a pão e água que você quer para si mesmo, nem privá-los dos bons momentos familiares de partilha de alimentos. 

São Francisco de Sales expressava uma ideia parecida, ao dizer que a vida devota, embora tenha sempre o mesmo objetivo de fomentar a união com Cristo, deve ser praticada de modos diferentes, segundo o estado de vida de cada cristão: seria “ridículo, confuso e intolerável”, diz ele, “que os bispos quisessem viver na solidão como os cartuxos; que os casados não se preocupassem em aumentar seus ganhos mais do que os capuchinhos; que o operário passasse o dia todo na igreja como o religioso; e que o religioso estivesse sempre disponível para todo tipo de encontros a serviço do próximo, como o bispo” (Filoteia, 1, 3). 

Aquilo que o santo bispo dizia sobre a devoção, podemos aplicar também à conversão quaresmal: “Quando é verdadeira, não prejudica a ninguém; e quando se torna contrária à legítima ocupação de alguém, é falsa, sem dúvida nenhuma”. 

Entremos, então, nesta Quaresma, com espírito de verdadeira conversão interior! 

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