Dois Franciscos: o Pobrezinho e o Papa

Nomen est omen. Nome é presságio, diz um dito latino. Quando o Cardeal Bergoglio, em 2013, recebe o nome de Papa Francisco, inspirado na recomendação do franciscano Dom Cláudio Hummes – “Não se esqueça dos pobres!” – é um destino que de antemão se delineia. No coração de Bergoglio, São Francisco de Assis se apresentou como o homem da pobreza, da paz, do amor e da guarda do criado. O nome Francisco evoca o desejo de uma Igreja pobre para os pobres. Para reformar a Igreja, porém, é preciso que seja transformada a sua mente e o seu coração. Recordemos algumas direções desta transformação.

São Francisco de Assis. Reprodução da Internet

O lema do Papa Francisco é “Miserando atque eligendo” (olhou-o com misericórdia e o escolheu). As palavras são de uma homilia de Beda, o Venerável (Hom. 21; CCL 122, 149-151): “Vidit ergo Iesus publicanum et quia miserando atque eligendo vidit, ait illi: Sequere me” (Jesus viu o publicano, e o viu com misericórdia, escolhendo-o, e lhe disse: Siga-me). O encontro entre o mísero e a misericórdia é a fonte do chamado ao seguimento de Jesus Cristo, ao seu discipulado. São Francisco de Assis fez a experiência da conversão crística e evangélica como o encontro com o Deus do amor e com amor de Deus em sua gratuidade e ternura, amor que, em face da fragilidade e à miséria humana, se mostra como misericórdia. Em seu Testamento, Francisco de Assis recorda que sua passagem para o mundo da graça se fez ao ter sido conduzido pelo Senhor para entre os leprosos e ao fazer misericórdia com eles. O Papa Francisco nos evoca tal experiência, ao se lembrar dos últimos, dos menores, ao convidar ao encontro terno com eles, vindo-lhes em socorro, provoca-nos à experiência da compaixão e da misericórdia, essencial num mundo tão dilacerado pelo sofrimento, pelas guerras e conflitos, pelas culpas humanas. Só a misericórdia de Deus, revelada em Jesus Cristo, pode salvar a humanidade e a própria Igreja.

Da misericórdia e de sua força que perdoa e salva, propiciando um recomeço ao ser humano, nasce a alegria e a paz. O Evangelho é uma mensagem de alegria, de jovialidade. Agraciado com a jovialidade do Crucificado e Ressuscitado, o ser humano pode se alegrar e viver em paz. A jovialidade conduz o ser humano ao livre e ao luminoso, à dimensão da cháris, isto é, da benevolência, da gratuidade e graciosidade do amor-caridade. São Francisco de Assis foi o homem da perfeita alegria, que vem da gratuidade do amor, que se experimenta na união com o Crucificado e que faz experimentar a força de sua Ressurreição, do novo céu e da nova terra que Dele nasce, da nova criação que irrompe no coração da velha criação. Assim, as exortações apostólicas do Papa Francisco chamam à alegria, ao gáudio, à exultação pascal. 

O amor fraterno, gratuito e universal é a marca da identidade do discípulo de Cristo. Esse amor revoluciona a convivência humana e propõe uma vida comunitária e social baseada não apenas na justiça, mas também na amizade social. A Fratelli tutti traça esse caminho de fraternidade universal vivida por São Francisco de Assis, de quem é tirado o nome da encíclica. O mundo moderno fez revoluções em nome da liberdade e em nome da igualdade, mas não fez em nome da fraternidade. A Fratelli tutti aponta nessa direção. E a Laudato si’ estende o amor universal e o princípio da misericórdia àquela que São Francisco de Assis chamou de irmã e mãe Terra, bem como aos seus filhos, dando-lhe dimensões ecológicas. 

A Terra é, entre os pobres, entre os esquecidos, a mais pobre e mais esquecida. A miséria da Terra e a dos pobres andam juntas. O Papa Francisco não cansa de chamar a uma conversão nesse sentido para o cuidado com a casa comum. É um chamado a habitar a Terra de outro modo: ao modo do cuidado do amor universal-concreto.

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