Acordo Brasil-Santa Sé afirma a presença pública da Igreja e garante a liberdade de sua missão

(Foto: Isac Nóbrega/PR)

A Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo realizou, nos dias 28 e 29, o primeiro módulo do curso de extensão voltado para questões sobre o Acordo Brasil-Santa Sé.

Realizada na modalidade on-line, a formação abordou o histórico dos princípios e as razões constitutivas do acordo bilateral firmado entre o Estado brasileiro e a Santa Sé no dia 13 de novembro de 2008, dando amparo aos direitos essenciais ao desenvolvimento da missão da Igreja no Brasil.

O primeiro dos quatro módulos do curso tratou do processo histórico do Acordo, o reconhecimento da personalidade jurídica, do patrimônio histórico artístico e cultural e das questões tributárias das instituições religiosas.

O evento contou com conferências do Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo; de Dom Gregório Paixão, Bispo de Petrópolis (RJ); do advogado Hugo José Sarubbi Cysneiros Oliveira; e do jurista Ives Gandra da Silva Martins.

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Percurso histórico

Dom Odilo participou da preparação do Acordo durante o período em que foi Secretário Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de 2003 a 2007. Ele também coordena a comissão da CNBB para a sua implementação.

O Cardeal enfatizou que, para compreender o atual Acordo, é preciso recordar a história das relações entre a Igreja e o Estado no Brasil. Com a chegada dos europeus à América, a Igreja estabeleceu tratados com Portugal e Espanha, nações governadas por reis católicos, confiando-lhes a responsabilidade pela promoção das missões e o sustento da Igreja nessas regiões.

Por isso, no Brasil, desde o período colonial, existia um tratado entre a Igreja e o Estado, chamado de padroado, que também foi mantido durante a fase imperial (após a independência) do País, até a proclamação da República.

República

Dom Odilo acentuou que o fato de o Estado ser o protetor da Igreja trazia algumas desvantagens e limites para a instituição religiosa. “Durante o Império, a Igreja não se desenvolveu no Brasil. Chegamos à proclamação da República com apenas 12 dioceses neste imenso País”, afirmou o Cardeal, acrescentando que o regime do padroado restringia a entrada de missionários e controlava a vida da Igreja, além da influência da maçonaria, causando sérios conflitos entre as instituições.

Nesse sentido, o Arcebispo ressaltou que, por mais impactante que tenha sido o rompimento entre o Estado e a Igreja com o advento da República, considera-se como positiva a autonomia das instituições quando o princípio de laicidade do Estado é bem compreendido.

A partir de então, a Igreja passou a ser uma organização privada que gozava da liberdade religiosa garantida pelo Estado republicano. Nessa época, o governo provisório da República estabeleceu que as instituições da Igreja deveriam ser reconhecidas por meio de um ato declaratório de seu responsável, no caso, o bispo ou superior religioso.

Essa medida perdurou até 2008, com a assinatura do Acordo Brasil-Santa Sé. Antes disso, foram várias as tentativas de estabelecer um acordo que formalizasse o reconhecimento jurídico da Igreja Católica, mas sem sucesso.

Relações diplomáticas

O Cardeal enfatizou, ainda, que o Acordo foi firmado entre dois entes soberanos e internacionalmente reconhecidos: a República Federativa do Brasil e a Santa Sé (representada pelo Estado do Vaticano).

“O Acordo, portanto, não é estranho às relações entre a Igreja e os Estados”, assinalou Dom Odilo, recordando que a diplomacia da Santa Sé é bastante antiga e, atualmente, existem acordos, tratados ou concordatas com 70 países. Entre esses, há nações em que o catolicismo é uma minoria religiosa, como os países islâmicos ou mesmo o Estado de Israel. “Sem esses acordos, seria mais difícil o trabalho missionário e a presença pública da Igreja”, salientou.

Reconhecimento jurídico

As implicações práticas do reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja foram apresentadas por Hugo Cysneiros Oliveira, assessor jurídico de diversas instituições eclesiásticas, dentre as quais a Nunciatura Apostólica no Brasil e a CNBB.

Oliveira explicou que a Igreja Católica já possuía um reconhecimento jurídico como um ente de direitos e obrigações, como, por exemplo, no Código Civil de 1916, reconhecia-se as sociedades religiosas e pias. No entanto, o Código Civil de 2002 não contemplava as organizações religiosas como pessoas jurídicas de direito privado.

O advogado observou que as instituições religiosas estavam enquadradas no rol das organizações da sociedade civil, chamadas de “terceiro setor”. Entretanto, não havia uma percepção da clara diferença entre a Igreja e, por exemplo, uma organização não governamental (ONG).

Natureza específica

No ano seguinte, em 2003, houve uma modificação no Código Civil que voltou a incluir as organizações religiosas. No entanto, muitas instituições católicas mantiveram seus estatutos de sociedade civil, o que não corresponde à sua natureza.

Por exemplo, uma diocese não é uma associação civil em que os padres são os “associados” e seu “diretor”, o bispo, seria eleito por uma assembleia dos seus associados. De igual modo, uma associação civil não pode prover o sustento de seus associados, tal como uma congregação religiosa, que mantém seus membros.

“O Acordo Brasil-Santa Sé definitivamente afirma a realidade jurídica da Igreja”, sublinhou Oliveira, acrescentando que a falta dessa clareza e do conhecimento dessa nova legislação ainda traz dificuldades, quando não se compreende a relação específica das organizações religiosas com seus membros.

O Assessor Jurídico enfatizou que o Acordo também resguarda a liberdade religiosa e de crença, de organização, estruturação e funcionamento, prerrogativas tributárias, o direito de cumprimento de missão apostólica. Por outro lado, é a manifestação de um compromisso de ambos os lados. “Portanto, a Igreja é uma entidade de direito privado perante o Estado brasileiro, que possui suas leis e normas próprias de um estado democrático de direito”, completou.

“A principal razão para o estabelecimento deste Acordo está na necessidade de dar certeza jurídica sólida à Igreja Católica presente no Brasil e a todas as suas instituições, não apenas por suas atividades religiosas e sociais, mas, em primeiro lugar, para a definição de sua própria identidade no ordenamento jurídico no quadro institucional do País”, concluiu Dom Odilo.

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