Com crianças e adolescentes cada vez mais expostos à pornografia, o que os pais podem fazer?

Ron Lach/Pexel

A facilidade com que crianças e adolescentes têm conseguido acessar conteúdos de pornografia é uma realidade preocupante em todo o mundo. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em um comunicado publicado em 2021, afirma estar “alarmado com a enorme quantidade de pornografia disponível on-line, incluindo conteúdo cada vez mais gráfico e extremo que é facilmente acessível a crianças de todas as idades. Os esforços para regular o conteúdo e restringir o acesso das crianças à pornografia não acompanharam as mudanças tecnológicas que alteraram profundamente o cenário para o consumo de pornografia”. 

Um panorama global sobre o problema foi feito pela plataforma on-line Dá o Clique, mantida pela Associação Família e Sociedade, de Portugal: 

  • O consumo de pornografia se inicia em média aos 11 anos de idade;
  • 10% dos consumidores de pornografia têm menos de 10 anos de idade; 
  • 1/3 das crianças entre 10 e 14 anos visitam sites de pornografia com frequência;
  • 81% dos jovens entre 13 e 18 anos afirmam ser uma conduta normal consumir pornografia; 
  • 68 milhões de pesquisas diárias sobre pornografia são feitas na internet;
  • 230 milhões de downloads de apps pornográficos são realizados por ano; 
  • Existem 800 milhões de sites pornográficos no mundo. 

Esses dados foram compilados antes da pandemia de COVID-19. Tendem, portanto, a ser ainda maiores, uma vez que em 2020 e 2021 muitas crianças e adolescentes permaneceram em casa, no isolamento social, com amplo acesso à internet, nem sempre com a devida tutoria dos pais ou de um adulto responsável. 

No Brasil, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos fez 98.244 registros de casos envolvendo o envio e postagens de fotos e vídeos de nudez explícita de crianças e adolescentes, quase o dobro das 48.576 ocorrências de 2019. Um levantamento da Safernet, ONG que promove a defesa dos direitos humanos na internet, indicou que, nos quatro primeiros meses de 2021, houve o aumento de 33,45% das denúncias envolvendo pornografia infantil na internet. 

CONTATO PRECOCE E PREJUDICIAL 

Conforme alerta o Unicef, a exposição das crianças à pornografia pode levar “a problemas de saúde mental, sexismo e objetificação, violência sexual, entre outros resultados negativos”. 

Simone Ribeiro Cabral Fuzaro, fonoaudióloga, mestra em Educação e máster em Matrimônio e Família, ressalta que os pais devem conhecer os efeitos nocivos desse contato precoce e se empenhar para que os filhos não tenham acesso a esse tipo de conteúdo. 

“A pornografia age no sistema neurológico do mesmo modo que as drogas – causando uma alteração na liberação de dopamina em algumas áreas cerebrais. A dopamina é um neurotransmissor que se encontra nas regiões do cérebro que regulam o movimento, a emoção, a motivação e o prazer. A pornografia acaba por causar uma dependência, assim como acontece com o uso de drogas: o consumidor irá buscar cada vez mais doses de pornografia para satisfazer seus desejos de prazer”, alertou a orientadora familiar. 

“Outro efeito é decorrente desse primeiro: na busca de doses cada vez maiores de pornografia, as crianças e adolescentes entram em contato com atos sexuais extremos e, com a experiência repetida deles, passam a normalizar esses atos. Vão, então, mudando seus padrões morais. Inicia-se uma imagem completamente distorcida do ato sexual saudável, e isso acarreta efeitos negativos na saúde física, psicológica e emocional deles. Há um aumento dos casos de depressão, ansiedade, início precoce da vida sexual, riscos de gravidez precoce, além de uma visão completamente distorcida da relação entre homens e mulheres”, ressaltou. 

ATENÇÃO E CUIDADOS QUE FAZEM A DIFERENÇA 

Simone destacou que, desde a mais tenra idade, os pais devem educar as crianças para a afetividade. Uma das frentes de ação é ensinar a virtude da temperança, o que pode ser feito não atendendo a todas as vontades dos pequenos. De igual modo, também é importante “criar em casa um ambiente em que eles experimentem o amor entre os pais e se sintam amados. Que aprendam a amar de modo verdadeiramente humano, buscando o bem do outro em pequenos gestos cotidianos”. 

Criar um vínculo emocionalmente seguro com os filhos também facilita que haja momentos de conversa sobre o assunto. “Que os pais escutem as dúvidas e percepções dos filhos e que se coloquem à disposição para serem percebidos como um ponto de apoio dos filhos em caso de necessidade; tratar de diferenciar para os filhos o que é o amor entre homem e mulher e o que é a pornografia (chamando-a pelo nome); orientá-los sobre os perigos da pornografia e do assédio, conforme a idade em que se encontrem (acima dos 10 anos)”, detalhou. 

Outras atitudes indispensáveis envolvem assegurar que as crianças e adolescentes cresçam em um ambiente fisicamente seguro: 

  • Não ouvir músicas inadequadas em casa;
  • Cuidar das roupas de todos (adultos e crianças), para que não haja exposição excessiva; 
  • Cuidar dos filmes e programas que são assistidos em casa;
  • Usar filtros de linha em todos os aparelhos aos quais as crianças tenham acesso; 
  • Não disponibilizar televisão ou computador no quarto;
  • Evitar que os filhos levem para o quarto celulares ou tablets;
  • Supervisionar o uso e estar atento aos conteúdos que os filhos acessam, mesmo aqueles que não estão bloqueados, pois algumas séries e desenhos podem trazer cenas ou conteúdos impróprios. 

Simone Fuzaro enfatizou, ainda, que é indispensável formar a consciência dos filhos a respeito do quanto o contato com a pornografia é prejudicial: “Eles conviverão com amigos e podem ter acesso a esses conteúdos por meio deles. Portanto, formar bem, conversar, alertar sempre é muito importante”. 

UMA TAREFA URGENTE PARA TODOS 

A exposição de crianças e adolescentes a conteúdos pornográficos é um tema que preocupa a Igreja. Em 1989, o Dicastério para as Comunicações Sociais publicou a mensagem “Pornografia e violência nas comunicações sociais”, na qual alerta que “a pornografia e a violência sádica depreciam a sexualidade, pervertem as relações humanas, exploram os indivíduos – especialmente as mulheres e as crianças –, destroem o matrimônio e a vida familiar, inspiram atitudes antissociais e debilitam a fibra moral da sociedade”. 

Recentemente, o Papa Francisco falou sobre o assunto ao receber em audiência, em 10 de junho, os membros da Federação das Associações Familiares Católicas na Europa. Ele lembrou que a pornografia “se espalha por toda a parte por meio da internet: deve ser denunciada como um ataque permanente à dignidade de homens e mulheres. Não se trata apenas de proteger as crianças – uma tarefa urgente para as autoridades e para todos nós –, mas, também, de declarar a pornografia como uma ameaça para a saúde pública. ‘Seria uma grave ilusão pensar que uma sociedade em que o consumo desmedido do sexo na rede se difunde entre os adultos é depois capaz de proteger de maneira eficaz os menores’ (Discurso aos participantes no Congresso ‘Child Dignity in the Digital World’, em 6 de outubro de 2017)”. 

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CILTO JOSE ROSEMBACH
CILTO JOSE ROSEMBACH
1 ano atrás

Como educar se não sei comunicar? Uma obra de Stella Azulay, da Literare Books. Ela afirma que o desafio está como comunicamos com os jovens e adolescentes, se pensamos em um mundo melhor, precisamos educar gente para que seja melhor. Houve uma educação autoritária, com os seus problemas, porem hoje estamos sem rumo, os filhos mandam nos pais, precisamos partir para um novo método educacional. Recomendo o livro.

Marcus Bastos
Marcus Bastos
1 ano atrás

só será possivel orientar se houver sido construido uma relação de confiança do jovem para com os seus pais.