Dom Scalabrini viveu a santidade no apostolado aos migrantes

Fundador da Família Scalabriniana, que realiza ações de evangelização e promoção humana em diferentes países, será canonizado 

Scalabrinianos

O Papa Francisco, em gesto pouco comum, dispensou a necessidade de comprovação de um segundo milagre e autorizou, em 21 de maio, o processo de canonização do fundador da Família Scalabriniana, Dom João Batista Scalabrini (1839-1905). A data da canonização ainda será definida. 

Dom Scalabrini nasceu em Fino Mornasco, na Itália, em 8 de julho de 1839. Foi ordenado sacerdote em 1863 e, aos 36 anos, nomeado, pelo Papa Pio IX, Bispo de Piacenza, exercendo o cargo até morrer, em 1° de junho de 1905. 

Na década de 1890, a busca por melhores condições de vida levou muitos italianos a imigrar para o continente americano. Um dia, ao passar pela estação ferroviária de Milão, lugar de onde as famílias seguiam de trem até o Porto de Gênova e de lá partiam para países como o Brasil, Dom João Batista Scalabrini se questionou o que ele poderia fazer para ajudá-las e como manteriam a prática da fé cristã em novas terras. Decidiu, então, convidar sacerdotes e religiosos para serem missionários nas Américas do Norte e do Sul. 

FAMÍLIA SCALABRINIANA 

Em 1887, diante da realidade de pobreza e imigração e movido por um profundo zelo apostólico, o Bispo fundou a Congregação dos Missionários de São Carlos, os Carlistas, com a missão de dar assistência e servir aos migrantes. 

Hoje, a congregação conta com aproximadamente 500 sacerdotes e religiosos consagrados espalhados pelo mundo, 170 deles no Brasil. 

Em 1895, Dom Scalabrini fundou as Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo, as Scalabrinianas, cuja missão é o serviço evangélico e missionário aos migrantes e refugiados, os mais pobres e necessitados de assistência espiritual e social. 

Atualmente, a congregação está em 26 países na Europa, Ásia, África, América do Norte e América Latina, a maioria no Brasil, e conta com mais de 650 freiras espalhadas em 159 comunidades, com ações em favor dos migrantes, refugiados e famílias em situação de vulnerabilidade social. 

Da família Scalabriniana fazem parte os Leigos Missionários Scalabrinianos e as Missionárias Seculares Scalabrinianas, que vivem a espiritualidade e o ideal do fundador, expandindo a missão de acolher e ser presença de luz e amor nas realidades migratórias. 

FRENTES DE AÇÃO 

No Brasil, desde a década de 1890, por meio do trabalho pioneiro do bem-aventurado Padre José Marchetti, que veio ao País a convite de Dom Scalabrini, e de sua irmã, a Beata Assunta Marchetti, os Scalabrinianos desenvolvem sua missão em favor dos migrantes e de pessoas em situação de vulnerabilidade, com atuação em escolas, hospitais, orfanatos, presídios, centros de menores, asilos, casas de formação, bem como auxiliam em paróquias, organismos internacionais, organizações civis, centros de promoção, de estudo e de documentação. 

Padre Edvaldo Pereira da Silva, Diretor do Instituto Cristóvão Colombo, enfatizou, em entrevista ao O SÃO PAULO, que a missão dos Scalabrinianos é impulsionada pelo testemunho profético do fundador e que “a ação missionária abrange todas as dimensões da pessoa migrante, que está à procura de pão para saciar a fome, da Palavra para reencontrar o sentido de sua existência e de comunidades onde se sinta pertença, e não estrangeiro”. 

Padre Alfredo Gonçalves, missionário Scalabriniano e Vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), enfatizou que os filhos de Scalabrini coordenam Casas de Acolhida nas fronteiras, como a que existe entre o México e os Estados Unidos, e em grandes cidades, São Paulo (SP), Manaus (AM), Cuiabá (MT), Santiago (Chile), Roma (Itália) e Buenos Aires (Argentina); assessoram conferências episcopais e dioceses no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Paraguai, Uruguai, Austrália, Filipinas, França, Alemanha; coordenam também o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral; mantêm Centros de Estudos Migratórios, com a publicação de livros e revistas, em Nova York, Roma, Manila (Filipinas), Paris, São Paulo, Buenos Aires, Cidade do Cabo (África do Sul); acompanham os marítimos em vários portos, tais como Manila, Santos (SP), Rio de Janeiro e Ravenna (Itália). 

No Brasil, a Missão Paz é uma das mais conhecidas frentes de ação dos filhos de Scalabrini. Fundada em 1939 na região do Glicério, no centro de São Paulo, tem o objetivo de apoiar a comunidade migrante e refugiados na garantia de seus direitos, documentação e profissionalização. No local, além da Igreja Nossa Senhora da Paz (foto abaixo), atuam, desde 1977, o Centro Pastoral do Migrante, com o objetivo de atender principalmente os exilados das ditaduras militares, e o serviço de atendimento aos migrantes. 

A Casa do Migrante, inaugurada em 1978, tornou-se um espaço para acolher migrantes desabrigados, oferecendo moradia e alimentação. O Centro de Estudos Migratórios (CEM) começou como iniciativa dos seminaristas scalabrinianos em compreender o fenômeno das migrações internas. Ambos ficam no mesmo local que a Missão Paz. 

O orfanato criado no Ipiranga para receber os órfãos de imigrantes italianos acolhia, no início, crianças de outras nacionalidades e filhos de escravos abandonados. Hoje, é conhecido como Instituto Cristóvão Colombo, que oferece serviço de convivência e fortalecimento de vínculos a crianças e adolescentes de 6 a 15 anos. 

Há também o Museu Cristóvão Colombo, criado em 2021, com a missão de coletar, preservar, interpretar, divulgar e expor testemunhos da história do projeto social dedicado à assistência de crianças e adolescentes migrantes na cidade de São Paulo. 

“Como nos ensinou Dom Scalabrini, o migrante é para nós o Cristo que espera uma resposta – ‘Eu era imigrante e você me acolheu’. Com as frentes de missão e atuação efetiva nas realidades migratórias em todo o mundo, queremos como consagrados e missionários responder a todos esses chamados de Deus hoje”, ressaltou Padre Edvaldo.

OUVIDO PASTORAL 

Em pleno coração de uma das maiores e mais agitadas cidades do Brasil, a Paróquia Santo Antônio, na Praça Patriarca, região central da capital, é confiada aos padres Scalabrinianos, que desde 1896 atuam de forma ativa na pastoral da escuta. 

Luciney Martins/O SÃO PAULO

“A missão da Paróquia é confiada à congregação, que desempenha com amor e compromisso a escuta ativa dos fiéis que, diariamente, vêm à igreja em busca da Confissão ou para participar das missas”, destacou Padre Edvaldo, salientando que, todos os dias, das 7h às 18h, as portas estão abertas para acolher a todos os que buscam uma palavra de conforto ou, ainda, um momento de silêncio em meio à agitação da cidade. 

TEMPO DE GRAÇA 

Padre Alfredo enfatizou que o anúncio da canonização do fundador é um momento de luz e graça para impulsionar a missão que, em tempos de migrações forçadas, é chamada a acolher e ser presença frente a essa avalanche de refugiados pelo mundo. “A canonização confere maior visibilidade ao fenômeno das migrações, ao mesmo tempo que significa um impulso para todos os que dedicam a vida à defesa dos direitos e da dignidade dos migrantes: combate à discriminação, ao preconceito, ao racismo, à intolerância e à xenofobia”, disse. 

A decisão do Papa, segundo os sacerdotes Scalabrinianos ouvidos pela reportagem, é um gesto significativo, uma vez que Francisco tem grande apreço pela questão migratória e profunda compaixão com os migrantes em todo o mundo. 

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