Pelas ruas da cidade, é Cristo que passa

Luciney Martins/ O SÃO PAULO

Por volta das 23h da quarta-feira, 15, chegou à Praça da Sé a Kombi trazendo a primeira remessa de sacos de sal grosso colorido para a confecção do tradicional tapete de Corpus Christi que adornou o espaço na missa campal do dia seguinte. Foram necessárias várias viagens para trazer as cerca de 2 toneladas de sal, tingidos pelas pessoas acolhidas na Casa de Oração do Povo da Rua, no bairro da Luz. 

Aos poucos, começaram a chegar os voluntários para a decoração do tapete, membros dos movimentos e comunidades que atuam no atendimento e acolhida dos “irmãos de rua” na Arquidiocese de São Paulo. 

Já era meia-noite quando Walace Santos Bispo, 34, começou a varrer o corredor de 32 metros que ia do palco montado na escadaria da Catedral da Sé, circundando o marco-zero da cidade e terminando diante da imagem de São Paulo Apóstolo, padroeiro da cidade e patrono da Arquidiocese. 

Aquele chão que era bastante familiar para Wallace Bispo, pois, ali, ele morou três meses dos dois anos que viveu nas ruas da cidade. “Não é fácil dormir na rua. Sentimos fome, frio, medo. Graças a Deus, eu consegui sair dessa situação”, conta o rapaz, que está há dez dias na Casa de Oração do Povo da Rua. Mas logo fez questão de ressaltar que lá ele não é apenas um acolhido, mas um voluntário, ajudando no atendimento dos seus irmãos e na distribuição de alimentos. 

Com o chão limpo, o grupo começou a organizar as sequências de desenhos feitos pelo jovem Diego Gomes Simidamore, da Paróquia Bom Jesus dos Passos, na Região Episcopal Brasilândia. O tapete tinha símbolos relacionados à Eucaristia, os dons do Espírito Santo, referências bíblicas, flores e outros adereços. 

Wallace Bispo ficou responsável por decorar um desenho que representava o ostensório, objeto litúrgico dourado no qual a hóstia consagrada é exposta. Ele pediu que lhe mostrassem uma imagem do ostensório original para ter como referência. Tudo era novidade para o rapaz que, enquanto cobria cuidadosamente o desenho com sal colorido, aprendia mais sobre a Eucaristia com os outros voluntários. 

Quando perguntado se sabia quem passaria por cima do tapete que estava ajudando a fazer, Wallace Bispo se emocionou ao descobrir que seria o próprio Jesus eucarístico. “É uma grande bênção a oportunidade que Deus me concedeu: preparar o chão por onde o Senhor vai passar”, afirmou, reforçando que esse é o mesmo Cristo que o conduz e o ajuda a viver uma nova vida a cada dia. 

EM FAMÍLIA 

Também foi a primeira vez que Rita de Cássia Cardoso, 45, ajudou na confecção do tapete de Corpus Christi. Voluntária na Casa de Oração do Povo da Rua há nove anos, ela foi acompanhada de seu marido, Wellington Cardoso, 36, também voluntário, e do filho, Gabriel Cardoso, 6. 

Para Rita, ajudar a enfeitar o caminho da procissão eucarística tem um significado especial, pois a aproxima daquele que realmente dá sentido à prática das obras de misericórdia com a população de rua. 

“Nós buscamos ver nesses irmãos que sofrem o próprio Cristo que sofreu e morreu na cruz por cada um de nós. Assim, servimos a Jesus na Eucaristia e no irmão que sofre”, completou Rita, que, após o trabalho com o tapete na praça, que terminou por volta das 4h da manhã, ainda foi com o marido e o filho entregar sopa às pessoas que vivem na região conhecida como Cracolândia. 

A voluntária destacou que, nesses anos de missão, ela mais aprende com as pessoas que encontra nas ruas do que ensina. “Já ajudamos a tirar pessoas da rua, que, depois, voltaram à rua e as tiramos de novo. São histórias de sofrimento, luta e superação. Esses irmãos não querem só comida, querem alguém que os escute, que leve uma palavra de conforto, que rezemos por eles ou que simplesmente os abracemos”, relatou Rita, explicando que é por esse motivo que o filho do casal acompanha os pais na missão, seja de preparar o tapete para Jesus Eucarístico, seja para socorrer os irmãos, para que desde cedo aprenda onde está fundamentada a fé da vida cristã: no amor a Deus e ao próximo. 

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