Wagner Balera: ’A Doutrina Social da Igreja é, acima de tudo, instrumento de pacificação social’

Arquivo pessoal

No aniversário de 60 anos do início do Concílio Vaticano II, em 11 de outubro, o Núcleo de Estudos de Doutrina Social (NEDS), da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), promoveu a palestra “Atualidade da Rerum novarum. Em comemoração dos sessenta anos do Concílio Vaticano II”. 

O expositor, professor Fernando de Oliveira Marques, mostrou como os temas e as propostas daquele documento do Papa Leão XIII, lançado no final do século XIX, continuam atuais e capazes de ainda lançar luzes sobre vários aspectos da realidade. 

Esse Núcleo, que já existe na universidade há mais de 20 anos, em sintonia com as necessidades e potencialidades do momento atual, está retomando suas atividades, com a realização de um ciclo de apresentações dos principais documentos da Doutrina Social da Igreja. Os conteúdos permanecerão disponíveis on-line nos sites da universidade. 

Para apresentar a proposta, o jornal O SÃO PAULO ouviu o coordenador do Núcleo de Estudos de Doutrina Social, Wagner Balera, professor titular de Direitos Humanos da PUC-SP. 

O SÃO PAULO – Qual é a importância da Doutrina Social da Igreja para a realidade brasileira e mundial nos dias de hoje? 
Wagner Balera – A Doutrina Social da Igreja é, acima de tudo, instrumento de pacificação social. Desde a primeira encíclica social moderna, a Rerum novarum, de Leão XIII, de 1891, até a mais recente, a Fratelli tutti, do Papa Francisco, de 2020, há como que uma chave essencial a conduzir tal reflexão. Nessa perspectiva, a Doutrina Social se organiza em torno de três eixos fundamentais: trabalho / paz / desenvolvimento. Desse modo, vai sendo objeto de estudo e aprofundamento consoante à ordem expressa por Jesus: “Eis que faço novas todas as coisas”. Daí se iniciar com a Rerum novarum – das coisas novas – que olha para o mundo do trabalho buscando o desenvolvimento e a justiça social com o olhar da concórdia, da pacificação. Tudo isso é atualíssimo, num país com milhões de pessoas que não têm trabalho. E, igualmente, para o mundo, em que a crise do emprego é dado permanente, agravado pelas perspectivas da automação e da globalização. 

Como a Doutrina Social da Igreja impacta particularmente o estudo e a aplicação do Direito? 
O estudo do Direito não sai do seu marco específico – o das Ciências Sociais –, que mergulha na realidade subjacente para dela extrair não só a realidade do Direito positivo (o Direito posto, aquele que é efetivamente praticado na sociedade) como, ainda, das perspectivas das necessárias transformações do instrumental jurídico para que o bem-estar social se concretize. A Doutrina Social da Igreja aponta caminhos para essa ordenação da esfera jurídica em uma perspectiva social. Não é só o formalismo positivista que interessa examinar, e sim a crítica da realidade social, inclusive e especialmente garantida, por vezes, pelo aparato jurídico. Enfim, a Doutrina Social da Igreja é, para os operadores do Direito, critério crítico de interpretação dos negócios jurídicos e da atividade administrativa do Estado, notadamente do Poder Judiciário. 

Já existe um histórico das atividades relacionadas à Doutrina Social da Igreja na Faculdade de Direito da PUC-SP? Pode nos dar um panorama dessa história? 
O marco inaugural da criação de um espaço de reflexão sobre a Doutrina Social na Faculdade de Direito da PUC-SP foi a criação do Núcleo de Estudos de Doutrina Social (NEDS), pela direção da Faculdade e sua instalação em 14 de setembro de 1999, décimo oitavo aniversário da Laborem exercens, a primeira encíclica social lançada por São João Paulo II. A instalação do Núcleo foi incentivada e apoiada pelo saudoso Grão-Chanceler, o Cardeal Cláudio Hummes [morto em julho de 2022], que, juntamente com os bispos das Dioceses de Campo Limpo e Santo Amaro, constituiu uma Comissão Interdiocesana para o Ensino Social Cristão, da qual o Núcleo fez parte de modo orgânico. Desde sua inauguração, o Núcleo se fez presente, como promotor ou cooperador, de inúmeros momentos reflexivos da Doutrina Social da Igreja, com especial destaque para o encontro realizado pela Diocese de Campo Limpo e pelo evento promovido em Brasília (DF), no ano de 2001, pela Associação Nacional para o Ensino Social Cristão, da qual o Núcleo foi um dos fundadores. Também, mais recentemente, o Núcleo promoveu os colóquios com as Pastorais Sociais da Arquidiocese de São Paulo. Agora, diante dos desafios, sempre renovados, que a sociedade brasileira vem enfrentando, está em uma nova etapa de suas atividades. 

Como está estruturado o Núcleo de Estudos de Doutrina Social? 
Ele é hoje, formalmente, uma unidade da Faculdade de Direito da PUC-SP. A coordenação do Núcleo é integrada por três professores do quadro de carreira e os membros são, igualmente, professores da Faculdade e, ainda, pessoas convidadas a partir do respectivo histórico e referencial na Doutrina Social da Igreja. 

Quais são as atividades projetadas para o Núcleo? 
A atividade inicial, nesta etapa atual, é, por assim dizer, o roteiro programático do Núcleo. Consistiu na conferência inaugural proferida em outubro pelo professor Fernando de Oliveira Marques sobre a Rerum novarum. Está devidamente registrada pela TV-PUC e servirá como primeira unidade de um roteiro que pretende percorrer as encíclicas e documentos sociais da Igreja. Em breve, haverá a continuidade dos trabalhos, com a reflexão sobre a Quadragesimo anno. O marco celebrativo mais importante do ano de 2023 consistirá em evento sobre os 60 anos da Pacem in terris, no próximo 11 de abril. É propósito do Núcleo promover um evento a respeito, sobretudo diante da gravíssima atualidade da guerra, atual e potencial, incrementada por uma política armamentista vigente em inúmeros países do mundo. O Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, presentemente, delega as tarefas relacionadas com o tema à Coordenação Pastoral do Serviço da Caridade, Justiça e Paz, cujo bispo referencial é Dom Carlos Silva, OFMCap. Assim sendo, o Núcleo também pretende se alinhar às iniciativas que, decerto, serão concretizadas por aquela Coordenação. 

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO

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EDISON MINAMI
EDISON MINAMI
1 ano atrás

Excelente iniciativa da pontificia universidade católica de SP num momento em que os católicos e pessoas em geral estão desprotegidas e a mercê de todo o tipo de ideologias políticas incompatíveis com a doutrina cristã.