A cada ano, o Brasil desperdiça mais de 40% da água tratada

Especialistas falam sobre as principais razões de tais perdas e o que pode ser feito para combater o desperdício anual de 7,3 bilhões de m³ de água

Imagine que alguém, por descuido, esquecesse aberta durante um ano a torneira da pia da cozinha da própria casa. Agora, pense nisso para um país inteiro. Anualmente, 7,3 bilhões de m³ de água tratada são desperdiçados no Brasil, algo equivalente a cerca de 8 mil piscina olímpicas por dia ou mais de sete vezes do total da capacidade volumétrica do Sistema Cantareira.

Esse levantamento foi divulgado em junho pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, com base nos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2021. Em termos percentuais, 40,3% de toda a água potável captada e tratada para consumo no Brasil acaba sendo desperdiçada, e isso só tem aumentado ano a ano. O percentual do Índice de Perdas nas Distribuição (IPD) é ainda pior nas regiões Norte (51,16%) e Nordeste (46,15%).

VAZAMENTOS E FURTOS DE ÁGUA

Uma das principais razões para tamanho desperdício de água são os vazamentos nos sistemas de distribuição, ou seja, no caminho que a água percorre da saída da estação de tratamento até a chegada ao hidrômetro do consumidor.

“Muitas das vezes, ocorrem vazamentos no sistema de distribuição e o conserto é realizado de uma maneira muito morosa, ou seja, a água fica por muito tempo vazando até que haja uma solução. Existem também os vazamentos embaixo do pavimento, os chamados vazamentos ocultos, que podem ser diagnosticados, pois já existe tecnologia para isso, mas nem sempre as companhias investem na modernização de seus sistemas”, detalha, ao O SÃO PAULO, Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.

Conforme o levantamento do Instituto, apenas as perdas por vazamentos representam um desperdício anual de 3,8 bilhões de m³ de água, quantidade que seria suficiente para abastecer 67 milhões de brasileiros em um ano, o dobro da quantidade de 33 milhões de pessoas que no País ainda não têm acesso a água potável.

Um outro problema, segundo Luana, são os furtos de água. “São os chamados ‘gatos’, aquelas ligações irregulares que as pessoas fazem à rede de distribuição do sistema de água”, explica, alertando para perdas agregadas a estas. “Quando há desperdício de água, também acaba se perdendo o que foi gasto de energia elétrica para fazer o bombeamento para a distribuição dessa água até as residências, além do que se investiu em produtos químicos para tratá-la”, observa.

COMO REDUZIR AS PERDAS?

Em setembro, durante o 51º Congresso Nacional de Saneamento, promovido pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento, Luiz Pladevall, presidente da seção São Paulo da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, destacou que planejamento e gestão devem andar lado a lado para a redução e controle de perdas de água nos sistemas de abastecimento.

Em seu entender, embora um índice de desperdício zero não seja possível, o planejamento estratégico das operadoras envolve um programa de redução e controle de perdas, considerando aspectos técnicos, econômicos e de práticas de gestão. Entre as ações por ele mencionadas durante o evento estão: haver um cadastro técnico e georreferenciado atualizado e confiável; implantar macromedidores; monitorar os Distritos de Medição e Controle (DMCs ); fazer o gerenciamento da pressão de água; realizar o controle ativo de vazamentos; ter hidrômetros em todos os pontos de consumo; e combater as fraudes e irregularidades de medição.

Também para Luana Pretto, a redução de perdas nos sistemas de distribuição de água envolve a existência de um plano estruturado e investimentos constantes. “Já existem no mercado sensores de vazão e de pressão de água. Além disso, monitoramentos podem ser feitos de forma on-line para se detectar os vazamentos de maneira rápida. Também é fundamental que os sistemas comerciais identifiquem onde esteja havendo furto de água”, opina. “Quando não se ataca diariamente o problema das perdas de água, ele só aumenta, pois as tubulações vão ficando cada vez mais antigas, os próprios sistemas de distribuição têm uma gestão de pressão que faz com que seja ora elevada, ora mais baixa, e isso faz com que se tenha vazamentos frequentes”, enfatiza Luana.

O PAPEL DO CONSUMIDOR FINAL

Embora a maior parte das perdas de água potável se dê ao longo do sistema de distribuição, o uso consciente continua a ser indispensável para reduzir desperdícios e não demandar o meio ambiente além do necessário.

“Se o consumidor final reduz a quantidade de água que utiliza no dia a dia, ele ajuda a diminuir a quantidade de água que terá de ser produzida em uma estação de tratamento. E quanto mais pessoas reduzirem o consumo, a concessionária terá de produzir menos água, pois a demanda será menor, e isso por si só já será muito bom, pois temos de pensar que nossos mananciais estão cada vez mais comprometidos, e quanto mais água a população consumir, mais precisará ser captada e cada vez mais teremos de construir estações de tratamento, e isso vai impactar o meio ambiente”, comenta Luana.

A presidente-executiva do Instituto Trata Brasil lembra, ainda, que outro papel de protagonismo do consumidor é o de cobrar que as concessionárias sejam cada vez mais eficazes na prestação do serviço com o objetivo de reduzir as perdas. “Todo município tem um conselho de meio ambiente, e em grande parte das cidades existem conselhos de saneamento básico. Além disso, há as agências reguladoras responsáveis por fazer a avaliação da eficiência de operação das concessionárias. Portanto, quando vemos que o serviço não está sendo bem feito, temos de buscar a ouvidoria dessas agências e até o ministério público ou outros órgãos fiscalizadores”, destaca.

Luana lembra que, no Brasil, ainda não existe uma legislação específica para punir as concessionárias pelas perdas de água, mas que nos contratos de concessão há metas tanto em relação ao aumento do percentual de acesso à água e tratamento de esgoto quanto de redução de perdas, e que, via de regra, as concessionárias são multadas pelas agências reguladoras quando não cumprem as metas.

Em âmbito nacional, a portaria 490/2021, do Ministério do Desenvolvimento Regional, apresenta a meta de que até 2034 o Índice de Perdas na Distribuição não ultrapasse os 25%. Em termos objetivos, restam 11 anos para melhorar em 15 pontos percentuais o atual índice de 40% de desperdício de água no Brasil.

COMO PROCEDER AO VER UM VAZAMENTO DE ÁGUA NO ESPAÇO PÚBLICO?

Primeiro, entre em contato com a concessionária/companhia que presta o serviço. No caso da cidade de São Paulo, deve ser acionada a Sabesp: https://www.sabesp.com.br 
Telefone: 0800-055-0195 
WhatsApp: (11) 3388-8000

Se após o prazo dado pela companhia o problema persistir, pode ser feita uma denúncia na Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp): https://www.arsesp.sp.gov.br 
Telefone: 0800-771-6883 
E-mail: sau@arsesp.sp.gov.br

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