Água, um grande dom de Deus, ainda muito desperdiçada

“Chegou, pois, a uma localidade da Samaria, chamada Sicar, junto das terras que Jacó dera a seu filho José. Ali havia o poço de Jacó. E Jesus, fatigado da viagem, sentou-se à beira do poço. Era por volta do meio-dia. Veio uma mulher da Samaria tirar água. Pediu-lhe Jesus: ‘Dá-me de beber’” (Jo 4,5-7)

Tania Rego/Agência Brasil

Cristo teve sede e pediu à mulher samaritana um pouco de água, prometendo-lhe a água que jorrará até a vida eterna, a salvação (cf. Jo 4,14). Hoje, nas grandes cidades, não é mais dos poços que vem a água. Ela sai das torneiras, e não raro é desperdiçada pelo consumidor final. Mas já antes disso, no percurso dos reservatórios e mananciais até as usinas de tratamento e daí pelos sistemas de distribuição, um grande volume de água é perdido, por razões diversas como vazamentos – ocultos ou aparentes – e os furtos de consumo.

“A água não pode ser sujeita a desperdícios e abusos, nem motivo de guerra, mas deve ser preservada para o nosso benefício e o das gerações vindouras”, enfatizou o Papa Francisco na audiência geral de 22 de março deste ano, Dia Mundial da Água.

Na encíclica Laudato si’, em 2015, o Pontífice alerta para a urgência de uma gestão mais eficaz dos recursos naturais e lembra que “a água potável e limpa constitui uma questão de primordial importância, porque é indispensável para a vida humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos. As fontes de água doce fornecem os setores sanitários, agropecuários e industriais. A disponibilidade de água manteve-se relativamente constante durante muito tempo, mas agora, em muitos lugares, a procura excede a oferta sustentável, com graves consequências em curto e longo prazo” (LS 28).

O Pontífice faz ainda um apelo contra o desperdício de água que tem se verificado “não só nos países desenvolvidos, mas também naqueles em vias de desenvolvimento que possuem grandes reservas. Isso mostra que o problema da água é, em parte, uma questão educativa e cultural, porque não há consciência da gravidade destes comportamentos em um contexto de grande desigualdade” (LS 30).

UM PANORAMA SOBRE O DESPERDÍCIO

Dados mais recentes do Instituto Trata Brasil, organização que se dedica ao estudo e mobilizações em prol da universalização dos serviços de água e esgoto no País, revelam que em 2021, a cada 100 litros de água captada e tratada, cerca de 40 litros se perderam por causa de vazamentos nas redes, fraudes ou erros de leitura dos hidrômetros.

O chamado Índice de Perdas na Distribuição (IPD) está em 40,3% e cresce anualmente. Em 2017, por exemplo, estava em 38,3%.

Para efeito de comparação com outros países, o parâmetro considerado é o Índice de Perda de Faturamento Total (IPFT), da International Benchmarking Network for Water and Sanitation Utilities (IBNET). Em 2021, o Brasil registrou um IPFT de 40,9%, desempenho inferior ao de países como Camarões (40%), Tanzânia (37%) e Etiópia (29%) e até pior que países sul-americanos como Argentina (39%), Chile (31%) e Bolívia (27%).

META ATÉ 2034: 25% DE PERDAS

Diante desse cenário, tem se buscado reverter o panorama do desperdício. Em março de 2021, foi publicada a portaria 490 pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, estabelecendo que em todo o País, até 2034, o IDP não seja superior a 25%.

De acordo com um relatório do Trata Brasil, se essa meta for alcançada “existe um potencial de ganhos brutos com a redução de perdas de água de R$ 54,8 bilhões ao País até 2034. Caso sejam considerados os investimentos necessários para a redução de perdas, o benefício líquido gerado pela redução é da ordem de R$ 27,4 bilhões em 13 anos”.

Na avaliação de Guilherme Giacometi, engenheiro sanitarista e gerente de perdas da concessionária Águas do Rio, que opera na capital fluminense, alcançar essa meta é possível, mas “será necessário fazer investimentos de infraestrutura, como a substituição dos hidrômetros. Envolverá, ainda, uma varredura incisiva na infraestrutura para identificar onde há vazamentos e fazer os reparos. Também será preciso a substituição de redes, de adutoras e que se invista em projetos de setorização”.

Opinião similar tem Edson de Souza, gerente de operações da concessionária Águas Guariroba, que opera em Campo Grande (MS). “Alcançar a meta vai requerer muito estudo e investimentos para estruturar as redes de distribuição. Será preciso também operar os sistemas com muita austeridade no dia a dia, fazer manutenções permanentes. E a sociedade tem que participar também. O combate a perdas é resultado do trabalho das concessionárias e da população. Não adiantarão os investimentos se ainda houver fraudes no consumo e o uso de água de forma exagerada”, enfatiza.

ESTÍMULO AO USO RESPONSÁVEL

Em abril deste ano, foi sancionada a lei no 14.546, com alterações na Lei de Saneamento Básico (Lei 11.445/2007).

Uma das mudanças envolve a obrigação dos prestadores de serviço público de abastecimento de água de corrigir as falhas da rede hidráulica, a fim de evitar vazamentos e perdas e aumentar a eficiência do sistema de distribuição; bem como fiscalizar a rede de abastecimento para coibir as ligações irregulares.

A outra alteração incide na Política Federal de Saneamento Básico, a fim de que a União estimule o uso das águas de chuva e o reúso não potável das águas cinzas em novas edificações e nas atividades paisagísticas, agrícolas, florestais e industriais, com o cuidado de que a rede hidráulica e o reservatório destinado a acumular águas de chuva e águas cinzas das edificações sejam distintos da rede de água proveniente do abastecimento público; e que tais águas passem por um processo de tratamento que assegure sua utilização segura.

“A água, pela sua própria natureza, não pode ser tratada como uma mera mercadoria entre outras e o seu uso deve ser racional e solidário. A sua distribuição se enumera, tradicionalmente entre as responsabilidades dos órgãos públicos, porque a água sempre foi considerada como um bem público, característica que deve ser mantida caso a gestão venha a ser confiada ao setor privado” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 485).

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