A genialidade da ‘Missa Solemnis’ de Beethoven, em seus 250 anos

A “Missa Solemnis” foi estreada em abril de 1824, em São Petersburgo, na Rússia, por iniciativa do príncipe Nikolai Borisovich Galitzine. Tem uma orquestração singular entre as obras de Beethoven e duração de 80 minutos

Foto: Freepik

Beethoven tem um lugar muito especial na história da música. Universalmente identificado como um dos maiores compositores de todos os tempos, é dele uma das composições mais facilmente reconhecidas pelo ouvido humano: a Quinta Sinfonia em dó menor.

Os primeiros registros do alemão Ludwig van Beethoven datam de 1770 e, em todo o mundo, comemoram-se os 250 anos do seu nascimento. Ele já mostrava seu dom para piano e violino aos 5 anos e, aos 12, compôs sua primeira peça.

Aos 26 anos, ele começou a sofrer com a surdez. Continuou, no entanto, compondo, mesmo tendo perdido a audição no fim da vida. Entre as obras, uma das mais conhecidas é a Nona Sinfonia, cujo quarto movimento inclui o poema “Ode à Alegria”, de Friedrich Schiller.

Beethoven escreveu duas missas, a “Missa em Dó” (1807) e a imponente “Missa Solemnis” (1824), além do oratório, “Cristo no Monte das Oliveiras” (1803), sobre a agonia de Jesus no Jardim de Getsêmani.

A “Missa Solemnis” foi estreada em abril de 1824, em São Petersburgo, na Rússia, por iniciativa do príncipe Nikolai Borisovich Galitzine. Tem uma orquestração singular entre as obras de Beethoven e duração de 80 minutos.

Gratidão a Deus

Em uma entrevista ao O SÃO PAULO, Emmanuele Baldini, maestro italiano, violinista e spalla da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), falou sobre curiosidades da vida de Beethoven, como o fato de ele ter desenvolvido técnicas devido à perda da audição.

De família católica, Beethoven fazia muitas referências a Deus em suas obras, sobretudo nas últimas. “A ‘Missa Solemnis’ é apenas um dos exemplos de quanto Deus e o divino estavam presentes no seu percurso artístico. Estou estudando os últimos quartetos de cordas para apresentá-los em breve, e um dos últimos movimentos lentos têm inclusive título, coisa muito rara para um quarteto. Em alemão seria ‘Agradecimento a Deus por um doente curado’, porque passou um longo período de convalescência por causa de uma doença e, depois que ele melhorou, escreveu este movimento lento como agradecimento a Deus”, explicou Baldini.

O maestro falou também sobre outros ciclos de canções para voz e piano que fazem referência ao divino, como um quarteto em que ele cita o destino da surdez. “Ele se sentia profundamente atingido e prejudicado pela surdez, mas nunca chegou a se revoltar contra Deus por isso. Manteve sempre muito amor para com Deus e muita devoção”, explicou Baldini.

Missa Solemnis

Thierry Fischer, diretor musical e regente titular da Osesp, falou sobre a “Missa Solemnis” e a explicou, em cada um de seus movimentos, em uma entrevista publicada em 18 de março de 2020.

Fonte: Biblioteca Nacionl

“Na ‘Missa Solemnis’, Beethoven coloca muito da sua vida, de suas dificuldades, lutas, para ser o homem que ele queria se tornar. Ele teve que passar por gigantescos problemas de saúde e levou mais de quatro anos para escrever a ‘Missa Solemnis’, no fim da sua vida. Ele está pedindo ajuda no sentido religioso. E, por meio da obra, dizendo que precisa ir adiante, continuar, ser capaz de inspiração”, afirmou Fischer.

O regente explica que com o Kyrie Eleison, Beethoven quer reforçar o pedido: “Ó Deus, nós precisamos de vós, por favor, nos ajude!”. “Penso ser o que todo mundo precisa, seja de uma ajuda simbólica, seja da religiosa. O Kyrie é, simbolicamente, a melhor maneira pela qual poderíamos começar. Você pode, por meio da beleza, pedir ajuda”, disse.

“Com o Gloria in Excelcis Deo (Glória a Deus nas alturas), podemos perceber que Beethoven sente que existe, em algum lugar, alguém a quem ele pode louvar. E o faz em ré maior, o que torna o Glória estrondoso e espetacular. É algo que traz muita luminosidade, para a orquestra, para a sala, para a organização, para o público. É como tsunâmi de luz. São 12 minutos de energia irrefreável”, explicou o regente.

Eu creio

Sobre o próximo movimento, o Credo, há a confissão em um único Deus. “É o movimento mais difícil, e dura 25 minutos. Quando Beethoven escreve sobre acreditar em um único Deus, mostra os diversos obstáculos que existem para ele e para qualquer um. O Credo é uma peça de arte moderna e, por isso, é até difícil acreditar que se trata de uma obra de Beethoven. Trata-se de uma obra semelhante aos últimos quartetos de corda, é impressionismo. É o trecho central: ‘Eu acredito’, com duração de vinte e cinco minutos”, disse.  

Fischer mostra ainda como a obra expressa concretamente a história da salvação. Para representar a morte de Jesus, e a ida do seu espírito para o céu, Beethoven usa escalas: “Ele escreve como se você pudesse sentir o prego e o martelo em suas mãos. É tão dramático, é horrível e é preciso descrever este lado horrível da história… E então, quando o espírito vai para o céu, é igualmente bem escrito, são sempre escalas, uma após a outra, subindo, subindo, subindo”.

E, durante a entrevista, ele faz a comparação entre Beethoven e Monteverdi, para dizer que se trata de uma música muito antiga, sem vibrato, sem violinos, apenas com uso de instrumentos graves, com solistas cantando suavemente.

O término da obra se dá com Agnus Dei (Cordeiro de Deus) e Dona nobis pacem (Dá-nos a Paz). “Ele procura por dois tipos de paz diferentes e pela sua própria paz de espírito, na sua fé. Beethoven escreve muito claramente que esta paz vem do coração dele e espera que possa ir ao coração de todos os que estão ouvindo a obra”, acrescenta o regente.

Além disso, o próprio compositor alemão escreve: “Do meu coração para o coração de todos, com devoção”. O diretor da Osesp recorda que é muito raro que Beethoven escreva ou dê explicações sobre a partitura. “E ele termina com uma pergunta. Ele queria que o final fosse uma pergunta em aberto para todo mundo, e todo mundo percebe o que é isso”, conclui Fischer.

(Com informações da Osesp e da Rádio Cultura FM)

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