Bispos espanhóis denunciam exploração de migrantes em meio à crise

Cresce as tensões diplomáticas entre Espanha e Marrocos após um inesperado influxo de migrantes africanos em território espanhol. Religiosos reafirmam o valor supremo da vida e da dignidade humana

foto: Diocese de Cadiz e Ceuta

PADRE JOSÉ FERREIRA FILHO

A conferência dos bispos espanhóis expressou preocupação com o fato de os migrantes estarem sendo usados ​​para exercer pressão política depois que um súbito influxo migratório nos territórios espanhóis de Ceuta e Melilla aumentou as tensões entre a Espanha e o Marrocos.

Em nota divulgada no dia 19, Dom José Cobo, Bispo Auxiliar de Madri e responsável pelo departamento de migração da Conferência, e o Padre dominicano Xabier Gómez, diretor do departamento, alertaram sobre a exploração de migrantes após uma disputa diplomática entre os dois países.

“Apelando para o valor supremo da vida e da dignidade humana, lembrem-se de que o desespero e o empobrecimento de muitas famílias e menores não podem e não devem ser usados ​​por nenhum Estado para explorar as aspirações legítimas dessas pessoas para fins políticos”, diz o comunicado.

Migração inesperada

As autoridades espanholas foram apanhadas de surpresa no dia 17, quando cerca de 8 mil migrantes – incluindo mais de 1,5 mil menores desacompanhados – nadaram em torno das cercas que se projetam no Mar Mediterrâneo ou simplesmente atravessaram a fronteira na maré baixa para deixar o Marrocos e entrar em Ceuta, um enclave espanhol na fronteira marroquina.

Estima-se que 86 migrantes entraram em Melilla, outro território espanhol localizado na costa do norte da África.

De acordo com a BBC News, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, jurando “defender a integridade territorial” de seu país, viajou pessoalmente para Ceuta e ordenou o envio, sem precedentes, de tropas do Exército aos territórios para reforçar os controles de fronteira e deportar os migrantes de volta para o Marrocos.

Tensões diplomáticas

O influxo maciço criou uma crise humanitária e política, uma vez que a Espanha acusa o Marrocos de efetivamente lançar uma invasão ao relaxar seus controles de fronteira e incentivar seus cidadãos a migrar, enquanto o Marrocos acusa a Espanha de interferir em seus assuntos internos ao permitir que Brahim Ghali, chefe da Frente Polisário – um grupo que busca a independência do Saara Ocidental de Marrocos –, recebesse tratamento médico em um hospital espanhol para uma infecção por coronavírus.

Assim, enquanto a Espanha alegava que Ghali fora admitido apenas por motivos humanitários, as autoridades marroquinas criticaram o governo de Sanchez por permitir que o líder rebelde entrasse em solo espanhol sem notificar o país do norte da África.

Em uma entrevista na semana passada ao jornal espanhol La Razón, o líder parlamentar marroquino Abdellatif Wahbi, disse que a admissão de Ghali pela Espanha “foi chocante para todos”.

As autoridades marroquinas acusaram Ghali de impedir ajuda humanitária a refugiados abrigados na cidade argelina de Tindouf, localizada ao longo da fronteira com o Marrocos.

“Autorizar a entrada de um separatista da Frente Polisário, acusado de ter cometido graves violações dos direitos humanos é, em nossa opinião, injustificado”, disse Wahbi. “Acredito que o governo espanhol estava ciente das consequências de seu comportamento e é por isso que não informou ao governo marroquino.”

Reação da Igreja

Vários bispos espanhóis abordaram a situação nas redes sociais, mas poucos falaram longamente sobre a crise, com exceção de Dom Rafael Zornoza, Bispo da Diocese de Cádiz e Ceuta, que afirmou que, além do que mostram os relatórios, “devemos sublinhar a situação de pânico que isso tem causado na população de Ceuta, aliado a uma grande insegurança e ao sentimento de instabilidade da ordem pública”.

“A situação é complexa. Agora as coisas estão mudando. No entanto, não podemos esquecer que estamos perante uma das fronteiras em que existe uma maior desigualdade de um lado para o outro. Sabemos que essa atração se torna uma aspiração desejável para muitos”, concluiu.

No dia 19, o Cardeal Juan José Omella, Presidente da Conferência Episcopal Espanhola, afirmou: “Peço ao Senhor que ajude nossos líderes políticos a encontrar uma solução para o grave problema que Ceuta está enfrentando. Que os irmãos e irmãs mais vulneráveis ​​não sejam os mais prejudicados”.

Situação atual

Aproximadamente metade dos migrantes que entraram em Ceuta foram devolvidos ao Marrocos imediatamente, incluindo menores desacompanhados que, segundo a lei espanhola, deveriam ter ficado sob os cuidados do Estado. O restante dos 4 mil recém-chegados estão agora em armazéns industriais superlotados, esperando que alguém decida seu destino.

As organizações não governamentais (ONGs) católicas, incluindo o escritório local da Caritas, bem como as paróquias na região, abriram as suas portas para tentar acolhê-los, fornecer-lhes alimentos e outros bens necessários, até que seja tomada uma decisão sobre o seu futuro.

Fonte: Catholic News Service e Crux Now

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