Com crucifixos e catecismo nas escolas, Hungria promove ‘recristianização’ do ensino

Com a intenção de resgatar e reverenciar a identidade cristã do país, a nova medida promovida pelo governo magiar é vista com cautela por alguns setores da sociedade, que veem favorecimento a determinados grupos de alunos em detrimento de outros

Foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Em 2010, o primeiro-ministro nacionalista Viktor Orbán retornou ao poder na Hungria e, com isso, decidiu que iria enaltecer a identidade cristã do país, que fora suprimida pelos regimes comunistas aos quais a nação teve de submeter no passado.

Por iniciativa de Orbán, que se apresenta como um defensor da “civilização cristã”, e como uma das medidas da chamada “revolução conservadora”, agora as escolas húngaras estão sendo cada vez mais submetidas à autoridade eclesial.

Surpresa

Com a volta das aulas no país, alunos de instituições como a escola Franz Liszt, da cidade no sudeste de Hódmezovásárhely, se surpreenderam ao descobrir que, a partir de agora, todos os seus dias letivos começam em uma igreja, onde, de mãos dadas, cantam, rezam, e batem palmas ao som de hinos. A medida, incentivada pelo governo, faz parte da “recristianização” da educação húngara.

A diretora da instituição, Andrea Magyar, afirmou que o colégio “a partir de agora, está sob a direção das religiosas dominicanas”.

Votação

Segundo a responsável, a transferência do controle da escola para a igreja foi aprovada pelos pais dos alunos, mediante uma votação. Nesse sentido, eles estariam “muito satisfeitos” com as mudanças, ainda mais considerando que, ainda de acordo com Andrea, o currículo das aulas das crianças “não mudou” com a decisão.

Dessa forma, a diretora insiste que, apesar de as salas de aula estarem adornadas com crucifixos e os horários dos 400 alunos serem marcados por orações e aulas de catecismo, nenhuma das mudanças é obrigatória. Por isso, ela acredita que existem “relações menos burocráticas e mais calorosas” com a diocese do que com a autoridade educacional, além de confirmar que com a chegada de professores jovens e dos subsídios do governo, foi possível realizar as reformas.

Cristãos e húngaros

De família calvinista e inicialmente identificado como não religioso, Orbán estabeleceu, nos últimos anos, vínculos próximos com a Igreja Católica e incluiu uma referência a Deus na Constituição revisada da Hungria.

Alguns na hierarquia católica se preocupam com o possível uso da igreja para finalidades políticas, mas Orbán espera que o Papa Francisco, com quem se reuniu no domingo, 12, aprecie os esforços húngaros para resistir à tendência europeia à secularização.

Resultados controversos

Esse esforço parece render frutos. Antes do comunismo, 22% das escolas eram católicas, mas, no início dos anos 2000, esse número caiu para apenas 5%. Em 2010, chegou a 9,4% e, em 2018, subiu para 18%, disse Kriszta Ercse, uma socióloga especializada em educação.

Ela ressalta, porém, que a “recristianização” foi muito superficial na sociedade como um todo.

Kriszta alertou que algumas escolas religiosas “praticam uma forma drástica de seleção, que favorece os alunos de famílias ricas”, à custa dos mais pobres, como os da minoria romani (ciganos), o que tende a levar à “guetização”.

“O problema é que o governo [investe nas escolas religiosas e] deixa que as escolas públicas se deteriorem”, advertiu. E a brecha entre os dois sistemas parece aumentar.

Segundo o Conselho Fiscal — um auditor independente das finanças públicas —, “no decorrer do ano letivo 2017/18, um aluno de escola religiosa recebeu 570 euros (R$ 3,5 mil)” em investimento, enquanto um aluno de escola pública recebeu um quarto desse valor.

Fontes: UOL, Aventura na História e RFI Brasil

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