Papa a jovens indígenas: caminhem para o alto, venham para a luz e trabalhem em equipe

Em seu último compromisso público no Canadá, Francisco falou a jovens indígenas e idosos em Iqaluit

Reprodução de Vatican Media

Sob olhares atentos de jovens, adultos e idosos na praça de uma escola de ensino fundamental em Iqaluit, perto do círculo polar ártico, na tarde da sexta-feira, 29, o Papa Francisco realizou sua última atividade pública da viagem apostólica ao Canadá, que foi iniciada no domingo, 24.

Francisco chegou a Iqaluit no meio da tarde, após ter permanecido em Quebec. Ao chegar, teve um encontro privado com alunos das ex-escolas residenciais, que foram mantidas até década de 1970, financiadas pelo governo canadense, algumas delas administradas por Igrejas cristãs, em ambientes onde as crianças, após serem arrancadas de suas famílias indígenas, sofriam diferentes abusos físicos, verbais e psicológicos, além doutrinação forçada.

Ao iniciar sua fala, Francisco recordou justamente o encontro que teve com os ex-alunos horas antes e dos relatos de sofrimento que escutou: “Isso despertou em mim a indignação e a vergonha que, há meses, me acompanham. Também hoje e aqui quero dizer-vos o grande pesar que sinto; e desejo pedir perdão pelo mal cometido por não poucos católicos que, naquelas escolas, contribuíram para as políticas de assimilação cultural e de alforria”.

O Pontífice também lamentou que em decorrência daquele sistema escolar, muitas famílias indígenas foram separadas. Tal situação o fez lembrar das palavras fortes de Jesus “contra quem escandaliza os pequeninos e despreza nem que seja um só deles (cf. Mt 18, 6.10). Quanto o mal faz romper os laços entre pais e filhos, ferir os afetos mais queridos, prejudicar e escandalizar os pequeninos!”.

O ITINERÁRIO DE CURA E RECONCILIAÇÃO

Papa reunido com indígenas de Iqaluit antes da fala na praça (foto: Vatican Media)

Francisco voltou a lembrar a grande motivação de sua viagem apostólica ao Canadá: “a vontade de percorrer, juntos, um itinerário de cura e reconciliação, que, com a ajuda do Criador, nos ajude a projetar luz sobre o que aconteceu e superar aquele passado obscuro”.

Fazendo alusão ao qulliq, uma lâmpada a óleo usada pelos povos do ártico para iluminar e aquecer as longas noites de inverno, o Papa disse aos indígenas:  “vós sois o testemunho perene da vida que não se apaga, de uma luz que brilha e que ninguém conseguiu sufocar”.

CUIDAR: A MISSÃO DOS MAIS JOVENS

O Pontífice enalteceu as famílias indígenas pelo hábito de transmitir seus valores fundamentais de geração em geração, “como o respeito pelos idosos, um sentido genuíno de fraternidade e o cuidado pelo meio ambiente. Há uma bela correspondência entre vós e a terra que habitais, porque também esta é forte e resiliente, e responde com tanta luz à escuridão que a envolve durante grande parte do ano. Mas mesmo esta terra, como toda a pessoa e população, é delicada, e precisa dos nossos cuidados. Cuidar, transmitir os cuidados: é a isto, em particular, que são chamados os jovens, apoiados pelo exemplo dos idosos! Cuidar da terra, cuidar das pessoas, cuidar da história”.

Dirigindo-se de modo especial aos jovens Inuit, exortou: “não tenhas medo de ouvir uma vez e outra os conselhos dos mais idosos, abraçar a tua história para escreveres novas páginas, apaixonar-te, tomar posição perante os fatos e as pessoas, envolver-te!”.

Na sequência, “como irmão idoso”, conforme referiu a si próprio, Francisco deu três conselhos aos mais jovens: que sempre caminhem para o alto, que procurem pela luz a cada dia e que trabalhem em equipe.

PARA O ALTO, COM DESEJOS BELOS E VERDADEIROS

Em relação ao primeiro conselho, “caminhar para o alto”, o Papa disse aos mais jovens que devem cuidar para que não vivam apenas para as próprias diversões e interesses: “Amigo, não estás feito para ires vivendo, para passar os dias equilibrando deveres e prazeres, mas para voares para o alto, rumo aos desejos mais verdadeiros e belos que abrigas no coração, rumo a Deus que deves amar e ao próximo que deves servir. Não penses que os grandes sonhos da vida sejam céus inatingíveis”, disse.

Francisco lembrou, porém, que essa não é uma escolha fácil na vida, pois sempre haverá pessoas e situações que tentarão anular os sonhos e estimularão os jovens a se contentar com pouco. Diante disso, o jovem poderá se perguntar: “Por que devo me esforçar por aquilo em que os outros não acreditam? E ainda: Como posso levantar voo no âmbito de um mundo que parece precipitar sempre mais em baixo por entre escândalos, guerras, falta de justiça, destruição do meio ambiente, indiferença pelos mais frágeis, decepções vindas da parte de quem deveria dar o exemplo?”.

Diante destas perguntas, ressaltou o Papa, os jovens são a resposta, pois nas mãos deles está o futuro, a comunidade de onde nasceram, o ambiente em que vivem e a esperança dos seus conterrâneos.

O Papa também pediu aos jovens que amem o mundo assim como já o fizeram os que lhes deram a vida, e do mesmo modo como são amados por Deus: “Ele crê nos teus talentos. Cada vez que O procurares, compreenderás como o caminho, que te chama a percorrer, sempre tende para o alto. Tu irás senti-lo quando, a rezar, olhares o céu e, sobretudo, quando ergueres o olhar para o Crucificado. Compreenderás que Jesus, da cruz, nunca aponta o dedo contra ti, mas abraça-te e encoraja-te, porque crê em ti, mesmo quando tu deixaste de crer em ti próprio. Então, nunca percas a esperança, luta, dá tudo por tudo, e não te arrependerás”, enfatizou.

LEVAR NOVA LUZ AO MUNDO E ALCANÇAR A LIBERDADE

O segundo conselho do Papa aos jovens é que incansavelmente procurem a luz: “Existes para vir à luz cada dia. Não só no dia do teu nascimento, quando não dependia de ti, mas cada dia. Diariamente, és chamado a levar uma luz nova ao mundo: a dos teus olhos, do teu sorriso, do bem que tu, e só tu, podes oferecer”.

Para alcançar a luz, entretanto, é preciso diariamente lutar contra a escuridão. “Sim, há uma luta diária entre luz e trevas, que acontece, não lá fora em um lugar qualquer, mas dentro de cada um de nós”, apontou o Papa, destacando que nessa luta diária, o jovem deve realizar escolhas corajosas contra a escuridão das falsidades e se apegar aos bons costumes, para que não siga falsos rastros luminosos, bem como abrir-se a Jesus, que sempre está por perto e deseja iluminar os corações.

“Ele disse: ‘Eu sou a luz do mundo’ (Jo 8,12), mas disse também aos seus discípulos: ‘Vós sois a luz do mundo’ (Mt 5,14). Por isso, também tu és a luz do mundo e chegarás a sê-lo cada vez mais, se lutares para afastar do coração a triste escuridão do mal”.

Para discernir entre a luz e as trevas, o primeiro passo, conforme destacou o Papa, é se perguntar: “O que é que se apresenta a mim reluzente e sedutor, mas depois deixa um grande vazio dentro de mim? Isto é treva! Ao contrário, o que é que me faz bem e deixa paz no coração, embora primeiro me peça para sair de certas comodidades e dominar certos instintos? Isto é luz!”.

Depois, prosseguiu o Pontífice, surgirá uma outra pergunta: “Qual é a força que nos permite separar dentro de nós a luz das trevas, que nos faz dizer ‘não’ às tentações do mal e ‘sim’ às ocasiões do bem? É a liberdade. Uma liberdade que não consiste em fazer tudo o que me apraz e vem à cabeça; não é aquilo que posso fazer não obstante os outros, mas pelos outros; não é total arbítrio, mas responsabilidade. A liberdade é o dom maior que o nosso Pai celestial nos deu juntamente com a vida”, enfatizou. Apropria-te da tua liberdade, não tenhas medo de realizar decisões fortes, vem à luz cada dia!”.

TRABALHAR EM EQUIPE

Trabalhar em equipe e jamais sozinhos foi o terceiro conselho dado pelo Pontífice: “Vós, jovens, sois como as estrelas do céu, que aqui brilham maravilhosamente: a sua beleza nasce do conjunto, das constelações que compõem e que dão luz e orientação nas noites do mundo. Também vós, chamados às alturas do céu e a resplandecer na terra, sois feitos para brilhar juntos”, comentou, lembrando que os jovens não devem passar os dias isolados ou reféns dos telefones celulares. 

E para melhor exemplificar o quão benéfico é o trabalho em equipe, o Papa valeu-se de um dos esportes mais populares do Canadá: o hóquei no gelo.

“Como consegue o Canadá conquistar todas aquelas medalhas olímpicas? Como conseguem Sarah Nurse ou Marie-Philip Poulin [jogadores da modalidade] marcar aqueles gols todos? O hóquei combina bem disciplina e criatividade, tática e força física; mas o que faz a diferença é sempre o espírito de equipe, pressuposto indispensável para enfrentar as circunstâncias imprevisíveis de jogo. Formar equipe significa acreditar que, para se alcançar grandes objetivos, não se pode ir para adiante sozinhos; é preciso mover-se em conjunto, ter a paciência de tecer densas redes de passagens. E significa também deixar espaço para os outros, sair rapidamente quando é a própria vez e apoiar os companheiros. Eis o espírito de equipe!”.

Por fim, o Pontífice voltou ao pedir que os jovens escutem os idosos e que bebendo da riqueza das tradições e da liberdade possam “abraçar o Evangelho guardado e transmitido pelos vossos antepassados e encontrar o rosto Inukde Jesus Cristo”.

Após o ato na praça, a comitiva papal seguiu para o Aeroporto de Iqaluit, para o retorno a Roma. O voo de regresso deve chegar na manhã do sábado, 30.

(Com informações de Vatican Media)

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários