Relatório da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja Que Sofre (ACN) retrata as perseguições sofridas pelos cristãos em 18 países
Imagine um lugar em que sair de sua casa para ir à igreja represente um risco de morte ou que o simples fato de ser cristão torne você mais propenso a uma acusação de algo que não cometeu e até seja a “justificativa” para que invadam sua propriedade ou sequestrem alguém de sua família.
Essas e outras situações que muitos cristãos enfrentam no mundo por causa da fé que professam estão no relatório “Perseguidos, mas não esquecidos”, publicado em 22 de outubro pela fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN).
O documento analisa os desafios dos cristãos em 18 países e apresenta casos de perseguição ocorridos entre agosto de 2022 e junho de 2024.
De acordo com o relatório, o epicentro da violência militante islamista mudou-se do Oriente Médio para a África; os regimes autoritários intensificaram ações para apresentar os cristãos como inimigos do Estado e/ou das comunidades locais; novas legislações têm oprimido os cristãos por supostamente cometerem atos desrespeitosos à religião de um Estado; e meninas e mulheres cristãs estão altamente expostas a violações (leia mais detalhes na análise na página 11).
A seguir, apresentamos um panorama sobre os países e alguns casos. A íntegra do relatório pode ser lida em https://www.acn.org.br.
Nigéria: assassinatos em massa e sequestros
Na Nigéria, muitos dos atos de terrorismo coincidiram com festividades cristãs. Na véspera do Natal de 2023, “centenas de supostos militantes Fulani assassinaram mais de 300 pessoas e feriram outras centenas em ataques coordenados em mais de 30 aldeias perto da cidade de Bokkos”. As comunidades eram majoritariamente cristãs.
Outra situação recorrente é o sequestro de sacerdotes, religiosos e leigos. Uma das vítimas foi o Padre Stephen Ojapah, sequestrado em maio de 2022, em uma paróquia da Diocese de Sokoto. Ao ser levado ao cativeiro, ele “encontrou outros quatro reféns – um pastor cristão e três membros da sua igreja – que tinham sido sequestrados alguns dias antes e mantidos em uma das cabanas. Os terroristas acorrentaram todas as suas vítimas para que não fugissem. ‘As lágrimas não paravam de correr… Muitas vezes, ficávamos sem comer o dia inteiro e bebíamos água muito, muito suja’, disse o Padre Stephen. Ele contou muitos outros casos terríveis de ‘tortura física e mental’, tais como espancamentos regulares, chicotadas, insultos verbais persistentes e tentativas de convertê-los ao Islã”.
Ataque a igrejas e morte de cristãos
Também no continente africano, o autoproclamado grupo Estado Islâmico em Moçambique (EIM) tem intensificado suas ações. Em janeiro deste ano, incendiou 18 igrejas no distrito de Chiúre. Antes, em setembro de 2022, os radicais invadiram uma missão católica em Chipene, mataram uma religiosa e incendiaram a biblioteca, os internatos, os veículos e as casas dos padres e das freiras.
Em Burkina Faso, os grupos jihadistas já controlam 40% do país, e as mulheres cristãs têm sido vítimas de abusos sexuais por parte dos terroristas.
Na Eritreia, o regime autoritário tem impedido as atividades da Igreja e aprisionado membros de grupos religiosos não autorizados, sem julgamento e em condições desumanas.
No Sudão, desde o golpe de Estado de abril de 2023, prédios de igrejas foram confiscados pelos militares e comunidades cristãs se tornaram alvos das forças armadas.
Cristãs convertidas à força no Egito
No Egito, há registros de sequestros de meninas e mulheres cristãs coptas para conversões forçadas. Foi o que ocorreu em janeiro deste ano com a jovem Erin Shehata, 21, estudante de Medicina. “A família descobriu que, no dia em que foi sequestrada, uma nova carteira de identidade foi emitida em seu nome, com a religião alterada de cristã para muçulmana”, consta no relatório. “A polícia investigou e acusou um homem. No entanto, depois aconselharam a família a desistir do caso, dizendo que Erin tinha fugido com um homem muçulmano por sua livre vontade. A família contesta esta afirmação”.
Na Árabia Saudita, onde a conversão do Islã ao Cristianismo é proibida, “os homens que se convertem são obrigados a abandonar as suas casas, enquanto as mulheres que se convertem são confinadas e maltratadas dentro de suas próprias famílias”.
Acusados de blasfêmia no Paquistão
No Paquistão, cristãos têm sido agredidos após acusações de blasfêmia, como ocorreu com a enfermeira Mariam Lal, 54, e sua colega de trabalho, Newosh Arooj, 21. “O incidente envolveu um adesivo com um verso do Alcorão que tinha sido danificado quando foi removido de um armário do hospital. A multidão se recusou a aceitar que pacientes psiquiátricos fossem responsáveis por rasgar o adesivo e acusaram as duas enfermeiras de ofender o texto sagrado. As enfermeiras foram quase esfaqueadas, mas, com a ajuda de amigos, escaparam”.
Em 16 de agosto de 2023, em Jaranwala, os cristãos viram seus locais de culto serem profanados e suas casas queimadas após duas pessoas cristãs terem sido acusadas de blasfemar o Alcorão. “No espaço de uma hora, os agressores, armados com pistolas e explosivos, começaram a incendiar as igrejas da região. As redes sociais ferviam com imagens de bancos e objetos sagrados sendo jogados para fora das igrejas, incendiados e esmagados. Vídeos de um cemitério mostram lápides em forma de cruz sendo destruídas”.
Perseguições em outros países asiáticos
Na Índia, foram catalogados 720 ataques e/ou incidentes de perseguição contra cristãos em 2023. O grupo nacionalista Hindutva tem disseminado a ideia de que o crescimento de outros grupos religiosos prejudica a população hindu. Em 12 estados, leis anticonversão “foram utilizadas como pretexto para pressionar as instituições cristãs: escolas e orfanatos foram revistados e sacerdotes e irmãs foram acusados de converter crianças”.
Na China, o catolicismo é reconhecido pelo regime comunista, mas os fiéis “devem praticar a fé sob a supervisão de uma das ‘associações patrióticas’ sancionadas pelo Estado”. Entre dezembro de 2023 e janeiro deste ano, Dom Peter Shao Zhumin, Bispo de Wenzhou, foi detido por ter se recusado a aderir à Associação Patriótica Católica Chinesa e opor-se às mudanças impostas pelo Partido Comunista Chinês à sua diocese.
Na Coreia do Norte, o Cristianismo é considerado uma ameaça à supremacia estatal. “Os que são descobertos praticando a fé cristã podem ser enviados para campos de trabalho forçado, nas quais passam fome e são torturados”, cita o relatório, mencionando, ainda, que em maio de 2023, um cristão preso foi espancado até quase morrer: “O motivo foi que carcereiros o descobriram rezando em segredo”.
Em Mianmar, após o golpe de estado em fevereiro de 2021, mais de 200 locais de culto, de todas as tradições religiosas, já foram atacados. No final de 2023, a junta militar tinha detido 20 sacerdotes cristãos. Em abril deste ano, o Padre Paul Khwi Shane Aung foi hospitalizado “depois de ter sido atingido por tiros quando celebrava a missa das 6h30 na Igreja de São Patrício, em Mohnyin, no estado de Kachin. Dois homens com roupas pretas e máscaras entraram de moto na igreja e dispararam sobre o Pároco de 40 anos”.
No Vietnã, a aplicação da chamada Lei das Crenças e da Religião, embora facilite o registro de igrejas, permite que o governo suspenda as atividades religiosas por “violações graves” não especificadas.
Na Turquia, país cujo território está entre a Ásia e a Europa, minorias religiosas como os cristãos têm dificuldades legais para a aquisição de propriedades. Além disso, em maio deste ano, a Igreja de São Salvador foi reconvertida em uma mesquita.
Em constante ameaça na Síria, Iraque e Irã
Na Síria, a comunidade cristã tem diminuído drasticamente desde o início da guerra civil, em 2011. “Em abril de 2024, Dom Mario Zenari, Núncio Apostólico da Síria, afirmou que 500 cristãos por dia estavam deixando o país”, lê-se no relatório.
Também no Iraque, o número de cristãos reduziu-se a 0,46% do total da população após a ocupação do Estado Islâmico: “Esta comunidade em declínio enfrenta pressão social e discriminação significativas, sendo a conversão do Islã ainda proibida por lei, sob ameaça de punição severa”.
No Irã, há grande pressão aosque se convertem ao Cristianismo e muitos têm sido presos sob a acusação de desrespeito às leis islâmicas, por “crimes” como a distribuição de Bíblias. Eles “são tidos como aliados do Ocidente e acusados de traição ao regime islâmico do Irã. Muitos dos cristãos convertidos vivem cada vez mais na clandestinidade, e a evangelização continua proibida”.
A ditadura de Ortega contra a Igreja na Nicarágua
A Nicarágua, país centro-americano, é citada pela primeira vez em uma edição do relatório “Perseguidos, mas não esquecidos”, em razão das crescentes violações contra os cristãos, especialmente os católicos, por parte do governo de Daniel Ortega, que já expulsou clérigos do país, fechou organizações geridas pela Igreja, restringiu atividades religiosas e confiscou de bens e propriedades da Igreja.
“Os serviços e eventos religiosos são monitorados de perto, pressionando o clero e os fiéis a praticarem a autocensura. O regime proibiu também a prática pública das tradições católicas, como as procissões durante a Semana Santa”, lê-se em um trecho do relatório. Em janeiro deste ano, 15 sacerdotes, dois seminaristas e os bispos Dom Rolando Álvarez e Dom Isidoro de Carmen Mora Ortega, que já haviam sido presos pelo regime, foram expulsos do país.