Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas é recordado neste 30 de julho; Igreja no Brasil realiza a campanha ‘Quanto vale a vida?’
Diante das dificuldades para arrumar emprego, surge a oportunidade dos sonhos: trabalhar no exterior, com a promessa de bons ganhos, e um suporte inicial para moradia e alimentação. Quando a pessoa chega ao destino, porém, logo se depara com a realidade de jornadas exaustivas, remuneração insuficiente para se manter, e, não raro, cerceamento da liberdade.
Essa é parte da realidade de quem caiu nas redes de tráfico humano, um problema mundial, que afeta cerca de 40 milhões de pessoas e movimenta US$ 30 bilhões por ano. Celebrado neste 30 de julho, o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas busca alertar para essa situação.
Este que é o terceiro negócio ilícito mais rentável do mundo – só perde para tráfico de drogas e de armas – também envolve outras situações de desrespeito à dignidade humana, como o tráfico de órgãos e a exploração sexual, sua principal ocorrência, com aliciamento majoritário de mulheres, crianças e adolescentes.
O conceito de tráfico de pessoas está definido no Protocolo de Palermo, em vigor desde o ano 2002. Trata-se do “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração“.
Riscos potencializados com a pandemia
Dados da Organização Mundial do Trabalho (OMT) mostram que o tráfico humano movimenta cerca de 32 bilhões de dólares por ano.
Um relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), publicado em maio, indica que o fechamento de fronteiras entre os países e a queda global do emprego podem ocasionar o aumento do tráfico de pessoas.
“O fechamento das fronteiras terrestres, marítimas e aéreas pode resultar em um aumento do contrabando de migrantes. Isso porque as pessoas passam a ter necessidade ainda maior dos serviços de contrabandistas para atravessar fronteiras. Os fechamentos e restrições também frequentemente resultam no uso de rotas e condições mais arriscadas e a preços mais altos, expondo refugiados e migrantes a abusos, exploração e tráfico de pessoas”, aponta o documento.
Para a UNODC a situação atual se assemelha a vista durante a crise financeira global de 2007-2010, quando se detectou o aumento de vítimas de tráfico de pessoas de países mais afetados pelo desemprego.
No Brasil
Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública apontam que entre 2018 e 2019, 184 brasileiros foram levados do país devido ao tráfico de pessoas.
De 2014 a julho deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) contabilizou quase 1,5 mil denúncias de aliciamento e tráfico de trabalhadores.
Signatário do Protocolo de Palermo desde 2004, o Brasil tem elaborado políticas públicas para lidar com o problema. Nesta semana, por exemplo, no dia 29, o MPT e a Infraero assinaram um acordo de cooperação técnica para ações de combate e precaução ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo.
Atualmente, por meio do Disque 100 ou do Disque 180, podem ser feitas denúncias sobre o tráfico de pessoas e de trabalho escravo, bem como por meio do site mpt.mp.br.
Igreja no Brasil: ‘Quanto vale a vida?’
O tráfico humano foi tema da Campanha da Fraternidade de 2014 e recorrentemente dioceses, congregações religiosas e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se mobilizam para o combate desta realidade de degradação da vida humana.
Desde o dia 26 deste mês, a Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEPEETH), da CNBB, realiza a campanha “Quanto vale a vida?”, com a meta de mobilizar e sensibilizar a Igreja do Brasil e a sociedade brasileira para o enfretamento ao tráfico de pessoas.
Neste 30 de julho, a Comissão convida todas as pessoas de boa vontade para a realização de um gesto concreto: acender uma vela e, em oração, fazer um minuto de silêncio pelas vítimas do tráfico de pessoas. Pede-se que tire uma foto da luz e publique em suas redes sociais com as hashtags: #TraficoHumanoNão e #Endhumantrafficking #CNBB.
“O tráfico humano desumaniza e transforma as pessoas em objetos, arrancando-lhes a dignidade e a liberdade, dois direitos essenciais”, consta no texto de divulgação da campanha.
Problema pouco visibilizado
Como parte da campanha “Quanto vale a vida?”, a CEPEETH realizou uma live na noite da quarta-feira, 29, com as participações de Dom Evaristo Pascoal Spengler, Bispo da Prelazia do Marajó (PA) e presidente da Comissão, e Roberto Marinucci, do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios. A mediação foi da Irmã Eurides Alves de Oliveira, também integrante da CEPEETH.
Dom Evaristo ressaltou que o tráfico de pessoas ainda está invisibilizado no Brasil e, geralmente, só é percebido por aqueles que têm proximidade com as vítimas dessa situação.
“Quando eu cheguei aqui no Marajó, em 2016, comecei a me defrontar com casos de tráfico humano, isso é muito comum aqui no Norte do Brasil. Certa vez, andando em Portel, uma cidade do Marajó, com a Irmã Henriqueta Calvalcante, uma pessoa cruzando a praça a abraçou e a disse: ‘Olá amiga, como você está?’ A Irmã contou-me, depois, que aquela pessoa havia sido traficada na Espanha, foi usada sexualmente durante muitos anos e foi repatriada a partir de um pedido da Polícia Federal do Brasil”, recordou o Bispo.
O Presidente da CEPEETH, comentou, ainda sobre o perfil das vítimas:“pessoas vulneráveis, pessoas muito pobres, que não tem trabalho digno, trabalho decente, perspectiva de vida, então, quando vem uma proposta ela começa a perceber que pode realizar um sonho. Mas as que traficam essas pessoas não querem realizar sonhos de ninguém. Para quem trafica, uma pessoa humana só vale aquilo que ela pode produzir e lucrar. Não importa a dignidade do ser humano, a liberdade, não importa mais a pessoa como filho, filha de Deus, ela se torna uma mercadoria que vai dar lucro”.
Roberto Marinucci lembrou que “o tráfico humano é um ato de roubar a vida do outro” e destacou que mesmo indiretamente muitos colaboram com os aliciadores quando compram produtos feitos por trabalhadores explorados ou quando deixam de denunciar situações suspeitas.
Como combater o problema?
Dom Evaristo defendeu que todos na Igreja se sintam corresponsáveis pelas vítimas de tráfico humano. “Cada um de nós pode começar a ter um novo olhar, um olhar mais sensível para a pessoa que está ao nosso lado. É possível fazer um trabalho de prevenção onde nós estivermos. O segundo passo é reforçar essa rede de enfrentamento. Existem muitas instituições no Brasil e na América Latina, que estão fazendo esse enfrentamento, ninguém pode fazê-lo sozinho, é preciso trabalhar em rede. Tomas a consciência da sensibilização pelo outro e não só para nós mesmos”.
Já Roberto ressaltou que não basta resgatar as pessoas que são envolvidas nas redes de tráfico humano: “É preciso um respaldo psicológico e jurídico para reconstruir a própria vida. A sociedade civil pode atuar criando estratégias de reconstrução da própria vida depois dessa experiência”.
AÇÕES PRÁTICAS
O site Politize-se listou uma série de ações e cuidados, ao alcance de todos, que podem ajudar a conter as ações das redes de tráfico humano. A seguir, reproduzimos alguns tópicos:
1) Duvide sempre de propostas de emprego fácil e lucrativo
2) Antes de aceitar a proposta de emprego, leia atentamente o contrato de trabalho, busque informações sobre a empresa contratante, procure auxílio da área jurídica especializada. A atenção é redobrada em caso de propostas que incluam deslocamentos, viagens nacionais e internacionais
3) Evite tirar cópias dos documentos pessoais e deixá-las em mãos de parentes ou amigos
4) Caso aceite uma proposta de trabalho fora de seu local e origem, informe a amigos e parentes o endereço e telefone para onde irá
5) Ao saber de alguém quem aceitou uma proposta de trabalho no exterior, estimule que ela obtenha o endereço e os canais de contato do consolado do Brasil naquele país, bem como contatos de ONGs e autoridades locais.
(Com informações da Agência Brasil, Agência Senado, Politize-se!, Vatican News e Cáritas Brasileira)
(COLABOROU: JENNIFFER SILVA)