Valores de ouro

Nos primeiros dias dos Jogos Olímpicos em Tóquio, fatos e histórias reforçam que pelo esporte é possível difundir bons ideais


Daniel Cargnin agradece à técnica Yuko Fujii após a conquista da medalha de bronze no judô (foto:
Breno Barros/rededoesporte.gov.br)

Amizade, busca de excelência naquilo que se faz e respeito pelo próximo são alguns dos valores do olimpismo e que estão em sintonia com o olhar cristão para o esporte como ferramenta de valorização da pessoa e construção do bem comum.

Nos primeiros dias dos Jogos Olímpicos de Tóquio, muitos desses valores emergiram nas atitudes de alguns atletas e foram reforçados por atos do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do Comitê Organizador dos Jogos.

A seguir, apresentamos algumas dessas situações e suas similaridades com os apontamentos do documento “Dar o melhor de si”, sobre a perspectiva cristã para o esporte, publicado em 2018 pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida.

Mais equipe, menos individualismo

Do ingresso na seleção brasileira de judô, em 2018, à medalha de bronze conquistada no domingo, 25, na categoria até 66 kg, o gaúcho Daniel Cargnin, 23, trilhou um caminho de superação, que envolveu se recuperar de lesões e do contágio por COVID-19.

Em entrevista após a luta em que faturou o bronze, Cargnin enalteceu o papel de duas mulheres que o apoiaram em meio às adversidades: sua mãe, Ana Rita, e a técnica da seleção, a japonesa Yuko Fujii. “Em uma fase de treinos em 2018, eu estava muito cansado, apanhando muito, mas ela [Yuko Fujii], todo dia falava: ‘Vamos lá, vamos lá’. Um dia, eu pensei comigo, chorando: ‘Por que ela não desiste de mim? Às vezes, eu tenho vontade de desistir?’ Encontrá-la após a medalha foi um momento especial.”

“[No esporte], podemos experimentar a alegria de competir para alcançar juntos uma meta, fazendo parte de uma equipe em que o êxito ou a derrota são partilhados e superados; isso nos ajuda a colocar de lado a ideia de conquistar sozinho um objetivo, centrando-se em si mesmo. A necessidade do outro envolve não apenas os colegas de equipe, mas também o treinador, os fãs, a família, em suma, todas as pessoas que com a sua entrega e dedicação tornam possível chegar a ‘dar o melhor de si’” (Mensagem do Papa Francisco na introdução do documento “Dar o melhor de si”)

Sacrifício e superação

Ao concluir uma das execuções na final dos saltos da ginástica artística nos Jogos Rio 2016, Ait Said quebrou a perna esquerda. Quatro anos antes, já ficara de fora da olimpíada em Londres após sofrer fraturas na perna direita semanas antes dos Jogos.

Ao longo deste ciclo olímpico, Said recuperou-se da lesão e alcançou a medalha de bronze na prova de argolas no mundial de 2019. Na sexta-feira, 23, ele foi um dos porta-bandeiras da França na cerimônia de abertura dos Jogos. Ao entrar no estádio olímpico, executou um salto, mostrando estar plenamente recuperado. No dia seguinte, “competiu pra valer” e se classificou para a final das argolas, que acontecerá no dia 2.

“Queria mostrar ao mundo que a vida não é tão fácil. Você realmente tem que lutar para alcançar seus objetivos ”, afirmou Ait Said, 31 anos.

“A experiência do sacrifício no esporte pode ajudar os atletas a formar o próprio caráter de modo peculiar. Podem desenvolver as virtudes da coragem e da humildade, da perseverança e da fortaleza […]. Há uma narração católica do valor antropológico do esporte e do sacrifício radicada na vivência cotidiana de cada atleta: eles têm consciência de que o sacrifício e o sofrimento têm um poder transformador.” (“Dar o melhor de si” – capítulo “Um esporte para o ser humano – Sacrifício”)

SAUDAÇÃO DO PAPA FRANCISCO
“Neste período de pandemia, que os Jogos Olímpicos sejam um sinal de esperança, um sinal de fraternidade universal e de um saudável espírito competitivo”, afirmou o Papa Francisco no Angelus, no domingo, 25. O Pontífice invocou as bênçãos de Deus sobre os organizadores, atletas e demais pessoas que colaboraram para a realização dos Jogos de Tóquio, visto por ele como uma “grande celebração do esporte”.
Equipe olímpica de refugiados durante a cerimônia de abertura dos Jogos (foto: COI)

Igualdade e respeito

Na mesma cerimônia de abertura, a bandeira olímpica foi carregada por seis pessoas escolhidas pelo COI. Uma delas foi a jovem italiana Paola Egonu, 22, filha de imigrantes nigerianos que chegaram à Itália em 1992. Paola conta que desde a infância foi alvo de ofensas racistas. Quando tinha 16 anos e jogava pelo Treviso, ela ouviu ecoar das arquibancadas gritos de ódio e sons imitando macacos. Chateou-se, mas não se abateu, e hoje é uma das principais atletas da seleção italiana de vôlei.

Outro esportista a carregar a bandeira olímpica foi Cyrille Tchatchet II, nascido em Camarões, e que encontrou refúgio na Grã-Bretanha. Ele superou um quadro depressivo e formou-se em Enfermagem de Saúde Mental. Em Tóquio, o atleta do levantamento de peso é um dos 29 esportistas da equipe olímpica de refugiados. Eles representam cerca de 80 milhões de pessoas que atualmente vivem deslocadas de suas nações de origem por razões como guerras e perseguições.

“Cada pessoa foi criada à imagem e semelhança de Deus e tem o direito de viver a própria vida com dignidade e de ser tratada com respeito. Todos têm o mesmo direito de experimentar e de desfrutar das múltiplas dimensões da cultura e do esporte […]O esporte é um segmento da nossa sociedade que promove o encontro de toda a humanidade e que pode superar discriminações socioeconômicas, raciais, culturais e religiosas.” (“Dar o melhor de si” – capítulo “Um esporte para o ser humano – Igualdade e Respeito”)

Alegria e amizade

Angelo Caro Narvaez, do Peru, abraça o brasileiro Kelvin Hoefler, medalhista de prata no skate street (foto: Reprodução)

Não fosse pelo uniforme diferente do usado pelo brasileiro Kelvin Hoefler, certamente se poderia pensar que o jovem peruano Angelo Caro Narvaez, 21, era alguém da delegação do skate street do Brasil em Tóquio.

No domingo, 25, assim que Hoefler, 28, assegurou a medalha de prata na prova, Narvaez foi o primeiro a saudá-lo, sorridente, ainda na pista. Naquele momento, os dois jovens mostraram ao mundo que a amizade no esporte pode ser mais forte que a rivalidade: afinal, Narvaez acabava de encerrar aquela disputa olímpica na 5a  posição, portanto, atrás de Hoefler.  

A comemoração do peruano pela medalha do brasileiro foi um dos temas mais comentados no Twitter naquele dia e, em poucas horas, o número de seguidores de Narvaez no Instagram saltou de 75 mil para 185 mil, muitos dos quais brasileiros.

A alegria também não faltou para Rayssa Leal, que aos 13 anos se tornou a mais jovem brasileira medalhista olímpica da história, ao faturar a prata no skate street. “Poder realizar meu sonho de estar aqui e ganhar uma medalha é muito gratificante. Meu sonho e o sonho dos meus pais”, disse a “Fadinha”, como também é conhecida, após ir ao pódio, em uma conquista também comemorada por seus colegas de seleção, pelos amantes de skate e os brasileiros em geral.

“‘O esporte é alegria de viver, jogo, festa e, como tal, deve ser valorizado e talvez resgatado […] dos excessos do tecnicismo e do profissionalismo mediante a recuperação da sua gratuidade, da sua capacidade de estabelecer vínculos de amizade, de favorecer o diálogo e a abertura entre uns e outros, como expressão da riqueza do ser, muito mais válida e apreciável do que o ter’ […] A experiência esportiva promove, de forma imediata, dinâmicas de amizade e convívio que, se forem cultivadas e valorizadas, podem ultrapassar os confins dos campos de jogos e passar a ser uma oportunidade para construir relações significativas e duradouras.” (“Dar o melhor de si” – capítulo “O objetivo do documento” – com referências à homilia de São João Paulo II no Jubileu dos Esportistas de 1984)

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