À procura do equilíbrio entre a produtividade e o bem-estar social

‘Diante dos impactos da pandemia de COVID-19 na sociedade, quais são os compromissos de trabalho que devem ser assumidos para garantir a produtividade e se manter o respeito à vida familiar do trabalhador?’ Sete especialistas na temática trabalhista respondem

Nas três últimas edições, o jornal O SÃO PAULO apresentou reportagens sobre as mudanças e adaptações feitas por empresas e trabalhadores para manter suas atividades diante da atual pandemia de COVID-19. A adoção do teletrabalho, o maior laço de confiança entre as partes e a revisão de metas produtivas são algumas destas situações que tendem a permanecer no mundo pós-pandemia.

Para encerrar esta série, ouvimos líderes de grupos e movimentos relacionados ao mundo do trabalho, bem como analistas da área, e pedimos que respondessem à pergunta a seguir:

Diante dos impactos da pandemia de COVID-19 na sociedade, quais são os compromissos de trabalho que devem ser assumidos para garantir a produtividade e se manter o respeito à vida familiar do trabalhador?

‘O empresário tem agora a missão de rever a estrutura de seu negócio’

A pandemia de COVID-19 continua provocando reflexões e transformações em todos os níveis de relações na sociedade, mas, mesmo nesse novo contexto, o papel dos empreendedores e das empresas não mudou. Espera-se que possam continuar gerando empregos, inovação e desenvolvimento nas regiões e segmentos em que atuam. Agora, porém, incluindo de forma mais sensível, as preocupações com o bem-estar de suas equipes e de seus clientes.

O empresário tem agora a missão de rever a estrutura de seu negócio, avaliar as adaptações necessárias para manter seu funcionamento, preparar sua equipe para os novos modelos de trabalho/atendimento, oferecer segurança no ambiente de trabalho, minimizando o risco de contaminação para proteger o trabalhador e suas famílias e tranquilizar os clientes para que possam voltar a consumir.

Agora, mais do que nunca, os empresários devem fazer uma gestão profissional de seu negócio. Verificamos, neste período de pandemia, que os empresários que possuíam mais controle a respeito de sua produção, vendas, estoques, caixa, entre outros, tiveram melhores condições de enfrentamento da crise do que aqueles que administravam seus negócios de forma mais orgânica e intuitiva. Saber fazer a gestão do seu negócio é importante para crescer e, neste momento em especial, para sobreviver. A boa notícia é que o conhecimento e as habilidades para uma boa gestão podem ser aprendidos e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) apoia os empresários dos pequenos negócios com diversos programas, capacitações e consultorias que podem contribuir para seu desenvolvimento.

Sabemos que a pressão sobre os empresários é grande, mas o desejo dos trabalhadores, consumidores e da sociedade como um todo para que possamos retomar de forma segura todas as atividades também é. Apenas essa consciência e o esforço conjunto é que poderá fortalecer as empresas na retomada.

Guilherme Campos, diretor administrativo-financeiro do Sebrae-SP.

‘Uma solidária e coerente parceria entre o capital e o trabalho’

O constante magistério social da Igreja prega que o homem, todo homem, deve ter plena consciência de sua dignidade transcendente. A dignidade é o seu supremo bem e, por conseguinte, deve ser irradiada necessariamente no ambiente de trabalho. A reorganização da sociedade que, decerto, consistirá em exigência ou subproduto da grave crise provocada pela pandemia, só pode ter validade se partir desse pressuposto da dignificação do homem que trabalha.

Os compromissos de trabalho devem ser fruto da negociação, e não da necessidade desesperada e desesperadora dos milhões que forem e ainda serão atingidos pelo desemprego na pandemia; devem ser costurados sob a solidária e coerente parceria entre o capital e o trabalho, para que se coloque como alvo a busca de uma sociedade mais justa.

A restauração e o aperfeiçoamento da ordem social, consoante à feliz expressão da encíclica Quadragesimo Anno, exige que os compromissos com a produtividade não se sobreponham ao necessário respeito aos direitos ao descanso, a um ambiente de trabalho seguro e hígido e a um sistema coordenado de fixação de metas e objetivos.

Para que recursos humanos e materiais sejam mobilizados de modo eficiente, cumpre ter em mira o objetivo maior da dignificação da pessoa do trabalhador e do desenvolvimento econômico, social e cultural. Enfim, um trabalho solidário há de permitir, a um só tempo, progresso individual e incremento dos empreendimentos. Só assim, a vacina social contra a pandemia terá prazo de validade perene.

Wagner Balera, mestre, doutor, livre-docente e professor titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP

‘A vida em primeiro lugar!’

Em primeiro lugar, como cidadão, e, sobretudo, como cristão, afirmo que o nosso maior compromisso é com a defesa, a proteção e a promoção da vida e da dignidade humana.

Temos várias dimensões deste compromisso, individual e coletivo:

Garantia da sobrevivência, seja no que se refere à geração de postos de trabalho, seja com medidas que visem a combater a precarização das relações trabalhistas. Pela primeira vez em nossa história, pelos dados oficiais, o número de desocupados é maior do que o de ocupados.

Cuidado mútuo: cuidar de nós mesmos e cuidar dos outros, com muita solidariedade, seguindo o que diz a ciência para conter o avanço desta pandemia, que tem trazido tanta dor a nosso povo. No Brasil, as vítimas já ultrapassaram 110 mil pessoas, sendo mais de 27 mil em nosso estado.

Exigir dos empregadores – público e privado – o cumprimento dos protocolos de garantia de saúde e segurança dos trabalhadores.

Cobrar do poder público a adoção de medidas para garantir o bem comum. Isso, neste momento, significa saneamento básico, isolamento social, manutenção da suspensão das aulas, renda mínima para todos não terem que sair de casa, despejo zero, veto a corte de energia e água durante a pandemia, em resumo, o que for necessário para a preservação da vida, em especial a dos mais vulneráveis, dado que a pandemia atinge e é mais letal, sobretudo, entre os mais pobres, que são negros e moram nas periferias, em sua grande maioria. O índice de contágio na periferia é quatro vezes maior do que em regiões de maior poder aquisitivo. Todas as vidas importam.

Que o Deus da vida e da esperança nos fortaleça e nos encoraje para que possamos, juntos, superar este momento tão difícil de tanta dor e morte. Afinal, quantas famílias neste momento estão chorando seus entes queridos…

Em resposta a nosso compromisso, me vem à mente duas lembranças. Uma é de Mercedes Sosa: “Eu só peço a Deus, que a dor não me seja indiferente”. E do pastor, profeta e poeta Pedro Casaldáliga: “No final do caminho, me dirão; E tu, viveste? Amaste? Eu, sem dizer nada, abrirei o coração cheio de nomes”.

Paulo Cesar Pedrini, Coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo

‘Inspirar as lideranças a serem proativas e humanistas’

A repentina chegada de um vírus que se alastrou por todo o mundo forçou uma rápida mudança na vida de toda a humanidade.

Não levar trabalho para casa, literalmente, deixou de ser possível: agora o trabalho foi para dentro das casas, em muitos casos a empresa mudou de endereço e passou a fazer parte das famílias, de todas as famílias, dos colaboradores, empresários, empreendedores, as famílias passaram a participar do dia a dia dos trabalhadores que foram reclusos dentro de seus lares.

Os filhos já não saíram de casa para ir às escolas e passaram a “trabalhar” lado a lado com seus pais, trazendo enorme mudança na rotina de todos.

A ADCE/UNIAPAC procurou, por meio de mensagens e orientações, inspirar as lideranças a serem proativas e humanistas, cuidando de organizar as urgentes alterações, dando suporte necessário para o novo tipo de trabalho, com o intuito de preservar a vida de seus colaboradores. Em contrapartida, estas empresas conseguiram melhor resposta, engajamento e compromisso por parte dos seus colaboradores.

Foram importantes as orientações de como agir com equilíbrio na busca do bem comum, respeitando-se os direitos de ambos os lados, transformando o momento caótico numa oportunidade de acolher e viver os ensinamentos do Cristo, por meio do amor ao próximo, e, mais ainda, colaborar com as necessidades urgentes da comunidade onde estão suas instalações, e, como sempre, tendo um olhar cuidadoso com o meio ambiente.

Empresários e lideranças que agiram dessa forma notaram que a produtividade não foi impactada, e contaram com forte apoio da comunidade em que estão trabalhando.

Desde 1961, a ADCE/UNIAPAC está presente no Brasil, e realiza um incansável trabalho de motivar e inspirar o meio empresarial, mediante palestras, cursos, consultorias, disseminando valores, tendo como base o Ensinamento Social Cristão.

O programa Empresa com Valores, da ADCE/UNIAPAC, preparado em parceria com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), propõe, por meio de encontros regulares de pequenos grupos de lideranças, que as decisões e ações sejam tomadas visando o bem comum, o bem estar das famílias e da sociedade como um todo, cuidando da preservação da vida e da sustentabilidade do meio ambiente.

Gigi Cavalieri e Marcos Velletri, respectivamente, presidente e diretor da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa de São Paulo (ADCE-SP)

‘É necessário que as empresas desenvolvam novas habilidades em seus empregados’

Quando se fala em produtividade e respeito ao trabalhador, estamos diante de uma relação de valores que divide a sociedade, cujas classes possuem diferentes importâncias, mas que são facetas de uma mesma moeda.

Há muito tempo se propaga a ideia clássica do trabalhador hipossuficiente, que necessita de certa proteção legal para contrabalançar o poder de direção do empregador, o que é ainda uma realidade na nossa sociedade. Também é verdade hodiernamente, porém, que diante da natural conscientização e atuação sindical não se pode generalizar e simplesmente rotular o empregado como vulnerável.

Oportuno mencionar que a Constituição Federal prevê que a exploração direta da atividade econômica se dará essencialmente pela atividade empresarial e que a livre iniciativa deve ser protegida, conforme se extrai dos artigos 170 e 173. Ainda, só se pode falar na “busca de pleno emprego” se existir empregador, ou seja, o Estado tem o dever de zelar pela atividade econômica privada.

Os processos de produção são cotidianamente transformados, e uma das apreensões foi o avanço das novas tecnologias nos postos de trabalho em detrimento da pessoa. Com o passar do tempo, observou-se que os trabalhadores foram capacitados e passaram a ocupar outros espaços.

O mundo do trabalho foi desastrosamente impactado pela pandemia de COVID-19: desemprego em massa, empresas fechando e com a consequente redução da atividade econômica, deixa-se de gerar riqueza para satisfazer as necessidades humanas.

Com o surgimento da pandemia, houve a necessidade do isolamento social, restringindo a atividade em grupo, evidenciando o trabalho home office e muitas empresas adotaram o esquema do trabalho remoto, quando o trabalhador cumpre as suas tarefas em casa.

Essa modalidade de trabalho apresenta desafios que deverão se ajustar, não obstante argumentos a favor ou contra, permitindo maior liberdade e autonomia ao empregado, com redução de custos para a empresa.

A empresa deve disponibilizar todas as ferramentas, respeitar horários e arcar com as despesas para concretizar o teletrabalho. O empregado necessitará se adaptar, implantando uma rotina e evitar interferências externas.    

Para que haja um bom resultado é necessário que as empresas desenvolvam novas habilidades nos seus empregados, ou seja, capacitando-os, uma visão mais suscetível do Poder Judiciário e bom senso dos advogados, evitando-se demandas abusivas.

Vitor Manoel Castan, advogado especialista em Direito do Trabalho pela Universidade de São Francisco-SP e em Direito Constitucional pela CESUSC-SC e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP.

‘Está comprovado que ter equilíbrio gera muito mais eficiência e soluções’

A virtualização das relações de trabalho e o deslocamento do espaço de seu exercício para o local familiar pode acarretar uma remoção dos limites de espaço/tempo para o trabalho. Percebe-se que muitas pessoas estão trabalhando por mais tempo e com qualidade inferior pela ausência de concentração ou do estabelecimento de uma correta organização do tempo. Da mesma forma, existem inúmeros testemunhos e relatos que confirmam um ganho ou manutenção de produtividade com a modalidade home office.

Não existem segredos nem respostas mágicas: funciona aqui a premissa do equilíbrio e do respeito por um tempo definido de dedicação ao trabalho – mesmo nos casos em que se trabalha por entregas. Esse respeito é uma decisão inteligente para todos, colaboradores e acionistas, uma vez que o equilíbrio e o período de descanso são fundamentais para a oxigenação da mente e do corpo.

Pessoas equilibradas, descansadas e saudáveis são emocionalmente estáveis, consequentemente, são felizes e producentes, propositivas, colaborativas, flexíveis. O excesso de horas de dedicação ao trabalho gera estafa, esgotamento e torna todos os processos mais longos e desafiadores. Quando as coisas se tornam mais difíceis, nada melhor que uma boa pausa e uma boa noite de sono e de relaxamento.

O trabalho compõe a vida, o trabalho não é a vida. Pessoas que respeitam o tempo e sabem deixar as coisas para o dia seguinte quando chega o momento de parar estão construindo um ambiente de trabalho harmonioso, sustentável e saudável para todos. Todos já provamos a sensação de se estender demais em algum desafio ou urgência e comprovar, ao final, que um dia a mais ou a menos não teria feito diferença na entrega e os sacrifícios vividos por esses prolongamentos e excessos não foram reversíveis. A conta chega: vida pessoal fragilizada, saúde debilitada. Não vale a pena. Inteligente nos dias de hoje é ter equilíbrio: está comprovado que isso gera muito mais eficiência e soluções.

A Economia de Comunhão oferece essa diretriz de equilíbrio às companhias que a ela aderem como propósito e ampara seu sistema de gestão, justamente no equilíbrio de sete dimensões necessárias, quais sejam: (1) sobrevivência financeira; (2) resultados compartilhados; (3) fidelidade à missão e valores; (4) compromisso com a cidadania; (5) harmonia e relacionamento interno; (6) desenvolvimento contínuo; (7) intercâmbio de experiências.

Maria Helena Fonseca Faller, presidente da Associação Nacional por uma Economia de Comunhão (Anpecom)

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