Vidas (in)visíveis – Um Arsenal de Esperança

Documentário pode ser visto no 15º Festival de Cinema Italiano no Brasil, até 8 de dezembro

O documentário “Vidas (in)visíveis – Um Arsenal de Esperança”, de Erica Bernardini, está disponível no 15º Festival de Cinema Italiano no Brasil, que acontece até terça-feira, 8, em plataforma on-line.

Fundada em 1996 por Ernesto Olivero e Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, o Arsenal da Esperança é uma casa de acolhimento localizada nas instalações da antiga Hospedaria de Imigrantes, em São Paulo, e recebe diariamente uma média de 1,2 mil homens que se encontram em estado de vulnerabilidade.

Com a pandemia de COVID-19, o Arsenal voltou a cumprir o papel que a Hospedaria de Imigrantes tinha diante das doenças e epidemias da época. E foi esse fato, a princípio, que incentivou a produção do documentário.

O filme conta como o Arsenal foi criado, a rotina de quem o frequenta e o trabalho realizado por missionários italianos, justamente no local que foi abrigo para imigrantes, e palco de sonhos, expectativas, angústias e conquistas de milhares de pessoas de diversas nacionalidades, principalmente italianos.

Composto por depoimentos emocionantes e imagens dos acolhidos em período de quarentena, o documentário teve apoio do Consulado Geral da Itália em São Paulo e da empresa de imigrantes italianos, Zini Alimentos.

O filme foi realizado em um mês. A ideia inicial era começar a colher depoimentos e contar a história do local. Mas, com o apoio do Consulado Geral da Itália em São Paulo e o convite em fazer parte da programação do 15º Festival de Cinema Italiano no Brasil organizado pela Câmara Italiana de Comércio de São Paulo, a equipe trabalhou sem interrupções para finalizar o documentário.

O Arsenal é vida!

Erica Bernardini, diretora, roteirista e produtora do documentário, atua há mais de 20 anos em ações para a promoção do intercâmbio cultural, econômico e social entre o Brasil e a Itália e é diretora e curadora do Festival de Cinema Italiano no Brasil.

Em entrevista ao O SÃO PAULO, Erica explicou que o projeto nasceu quando ela soube que o Arsenal da Esperança, no período de quarentena em São Paulo, fechou as portas, mas, no entanto, ficaram 1,1 mil homens hospedados na Casa durante quase três meses.

“Nesse período, voluntários haviam registrado, por meio de fotos e alguns vídeos de depoimentos, as impressões de alguns desses homens que optaram em ficar dentro do Arsenal. Após o período de quarentena, o Arsenal decidiu reabrir e continuar a atender homens em situação de vulnerabilidade. Mesmo com a reabertura do Arsenal nenhum caso de COVID-19 foi registrado. Tudo isso me tocou profundamente e senti a necessidade de divulgar tanto o trabalho do Arsenal quanto tudo aquilo que foi vivido durante a quarentena até o momento dentro do Arsenal”, disse.

A diretora recordou também que, diante de tantas notícias de mortos, pouco se fala de vida. “O Arsenal é vida”, disse Erica, que salientou, ainda, a questão histórica. “Localizado na Hospedaria de Imigrantes que foi inaugurada em 1887, na Mooca. Estima-se que o prédio da Hospedaria, onde também se encontra o Museu da Imigração, foi palco de sonhos, expectativas, angústias e conquistas de mais de 2,5 milhões de pessoas entre os anos de 1887 e 1978”.

Outro dado recordado por Erica é o fato de que milhares de imigrantes italianos, que vieram em porões de navios, muitos doentes, foram cuidados pelos brasileiros que os recebiam na Hospedaria. Hoje, com quase dois séculos de distância, é um grupo de missionários italianos que acolhem tantos brasileiros.

Para ela, o principal objetivo do documentário não foi mostrar pessoas com problemas, vivendo em situações de miséria ou histórias tristes, mas sim um lugar de esperança.

“Um lugar que acolhe pessoas em busca não apenas de um prato de comida, uma cama, mas pessoas que precisam serem visíveis, porque embora elas estejam num momento difícil de suas vidas, no Arsenal elas têm a oportunidade de buscar uma segunda chance, um caminho melhor”, enfatizou.

Ao ser questionada sobre a solidariedade em tempo de crise, sobretudo no mundo das artes, Erica disse que “a pandemia do novo coronavírus levou para outro nível uma das qualidades humanas mais bonitas: a solidariedade. Gente do mundo todo busca formas de ajudar suas comunidades, idosos, pequenos negócios e trabalhadores essenciais e no cinema isso não foi diferente”.

Como testemunha de diversas manifestações de ajuda tanto no Brasil quanto na Itália, a diretora disse que, além da solidariedade que é muito forte nesses períodos de incertezas, é justamente nessas ocasiões que aflora uma das melhores qualidades do ser humano: a de se reinventar.

“Houve muitos profissionais que sofreram e ainda sofrem com trabalhos cancelados, produções adiadas, incertezas do futuro e, por outro lado, cresceu muito a procura por conteúdo on-line. Em casa, principalmente na quarentena, os filmes e as séries acabam se tornando uma das melhores opções para passar o tempo e graças à Deus muitas produções já voltaram. Ainda estamos longe de recuperar tudo que ficou para trás, principalmente com a falta de incentivos financeiros, mas acredito que serão contadas muitas histórias de ajuda mútua nesse setor, o cinema, que nos apresenta fatos e fantasias inesquecíveis. Nos faz rir, chorar, mas principalmente nos emocionar”, afirmou Erica.

O filme da vida acontece 24 horas

Padre Simone Bernardi é italiano, missionário da Fraternidade da Esperança (Sermig) no Brasil desde 2005. Graduado em Serviço Social pela Università degli Studi di Torino, em Filosofia pelo Unifai e em Teologia pela Faculdade de São Bento, foi ordenado sacerdote em 2015 – um dos primeiros três padres da comunidade Sermig. Em 2017, publicou, pela editora Loyola, o livro “O bom samaritano e a hospedaria”.

Para o Sacerdote, acompanhar as gravações do documentário foi uma experiência muito bonita, importante e preciosa. “O filme da vida acontece nas 24 horas em que acolhemos pessoas na casa. E este filme acontece sempre porque a casa não para nunca. Por menor que seja uma ação, ela é feita para dar esperança a alguém”, disse. “Mas, isso não tem trilha sonora, não tem roteiro”, continuou.

“O documentário é um marco para a instituição, porque nos ajuda a mostrar a vida dos acolhidos na casa, que a maioria das pessoas, muitas vezes, só sabe que existe, mas não conhece. Não temos, enquanto sociedade, a ideia de quanto sofrimento existe nesta cidade e, ao mesmo tempo, de quanto pode ser feito para melhorar esta situação. Isso porque quando existem 30 mil pessoas nas ruas não se trata apenas de um problema de quem está na rua, mas, sobretudo, reflete uma cidade doente e, por isso, é um problema de todos que vivem nesta cidade. O documentário vai além e nos ajudar a pensar que é preciso aprofundar os problemas”, disse Padre Simone.

Como o carisma do Arsenal é ser sinal de esperança, o Presbítero salientou que espera que o filme dê esperança para quem o assistir. “A população acolhida no Arsenal é muito sofrida, mas conviver com essas pessoas durante o tempo em que ficamos fechados me deu muita esperança, pois vi que eles se responsabilizaram por eles mesmos e pela cidade”, disse.

O Padre salientou, ainda, o fato de que o Arsenal da Esperança e muitas outras instituições em São Paulo têm recebido, de pessoas físicas, empresas e de muitas outras fontes, doações que fazem a continuidade da acolhida ser possível.

“É o barulho do bem que não faz barulho. Isso, porém, é pouco se comparado com o que poderia ser feito. O Arsenal acolheu mais de mil pessoas – todos os dias – durante a pandemia e não teve nenhum caso de COVID-19. Claro que isso é sinal do bem que é feito, pela força de Deus e pela força do amor. Tomara que este Natal faça nascer em nós a confiança no amor”, afirmou o Missionário.

COMO ASSISTIR O DOCUMENTÁRIO?

Para assistir ao documentário é necessário adquirir o ingresso pelo valor fixo de R$ 9,90. O acesso é feito pelo site em parceria com o cinema paulistano Cine Petra Belas Artes. Um único ingresso dá direito ilimitado à toda a programação do Festival. Após o término do Festival, o filme ficará disponível na plataforma on-line do Cine Belas Artes.

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