Dom Carlos Lema: constituir uma escola comunitária permitirá às famílias dar uma educação de acordo com seus valores religiosos

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o Bispo Auxiliar da Arquidiocese e Vigário Episcopal para a Educação e a Universidade fala sobre mobilização para que escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas possam ter pleno acesso aos recursos do Fundeb

Dom Carlos Lema Garcia (Foto: Luciney Martins/ O SÃO PAULO

Após a promulgação da Emenda Constitucional 108, em agosto, que tornou permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), a Câmara dos Deputados analisa o projeto de lei (PL) 4372/20, que regulamentará a forma como se dará o repasse dos recursos.

No caso de repasses do Fundeb a escolas mantidas por instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas, o PL, em seu artigo 7o, limita que isso ocorra apenas na etapa da Educação Infantil, de 0 a 3 anos de idade, e na pré-escolas, para crianças de 4 a 5 anos, respeitando-se, porém, a limitação do período de convênio de, no máximo, seis anos.

O Vicariato Episcopal para a Educação e a Universidade da Arquidiocese de São Paulo e outras instituições têm se mobilizado para que as escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas tenham pleno acesso ao Fundeb em toda a Educação Básica – Infantil, Fundamental e Médio.

Nesta entrevista ao O SÃO PAULO, Dom Carlos Lema Garcia, Bispo Auxiliar da Arquidiocese e Vigário Episcopal para a Educação e a Universidade, explica detalhes sobre a mobilização e fala do bem que as escolas confessionais podem gerar a toda a sociedade.

O SÃO PAULO – Quais as principais motivações para se contemplar que os recursos do Fundeb para as escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas, hoje limitados à Educação Infantil, também sejam extensivos aos demais ciclos da Educação Básica?

Dom Carlos Lema Garcia – Como se sabe, o Congresso Nacional aprovou recentemente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 26/2020), que torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e aumenta, progressivamente, até 2026, para 23% os repasses da União para o ensino público. Essa aprovação do novo estatuto do Fundeb foi comemorada pelos educadores, uma vez que permite dispor de um maior volume de verbas federais destinadas à Educação Básica. A regulamentação agora depende das alterações da Lei 12.695, de 25 de julho de 2012, que regula o destino dos recursos do Fundeb.

Um grupo de parlamentares de diversas correntes está empenhado em aprovar um dispositivo legal para abrir caminho para que as escolas comunitárias também sejam contempladas com os recursos do Fundeb.

Essa prerrogativa já está prevista no texto constitucional, como preconiza o caput do Art. 213 da Constituição: “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei”. A mesma recomendação já se encontrava na proposição do Art. 77 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB): “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas.” No entanto, apesar de estar prevista na Constituição Federal, a aplicação dos recursos do Fundeb nestas escolas ainda está limitada à Educação Infantil. Com esse novo diploma legal, a subvenção poderá estender-se a escolas comunitárias que atendam os demais ciclos da Educação Básica. Com a aprovação dessa proposta em um novo projeto de lei, os recursos do Fundeb permitirão a efetiva realização dessa possibilidade, extensiva aos alunos de todos os segmentos da Educação Básica: Infantil, Fundamental e Médio.

Pelo que já se observa dos impactos das escolas confessionais na Educação Infantil, a ampliação de atuação destas instituições no Ensino Fundamental e Médio pode ter quais saldos positivos na formação das crianças, adolescentes e jovens?

Essa proposta de regulamentação está de acordo com o Magistério da Igreja: o Compêndio da Doutrina Social da Igreja defende com clareza que “os pais têm o direito de fundar e manter instituições educativas. As autoridades públicas devem assegurar que se distribuam as subvenções públicas de modo tal que os pais sejam verdadeiramente livres para exercer o seu direito, sem ter de suportar ônus injustos. (n. 241). A razão é que os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos. A prerrogativa de poder constituir uma escola comunitária permitirá que aquelas famílias que desejam dar uma educação de acordo com seus valores religiosos possam ter acesso a uma escola adequada, uma vez que os recursos públicos poderão subsidiar essas escolas comunitárias. Assim se corrigirá uma desigualdade: as famílias que não têm recursos para custear uma escola particular são discriminadas.

Escolas comunitárias, filantrópicas e confessionais são escolas administradas por pequenas instituições – na forma jurídica de associações sem fins lucrativos – que atuam, ou podem atuar, em comunidades paroquiais, em aldeias indígenas, no atendimento de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social ou em áreas remotas, como a região amazônica, ou nas periferias dos grandes centros urbanos, ou escolas formadas por grupos de famílias desejosas de garantir a seus filhos uma formação coerente com seus valores morais.

Em uma realidade multicultural como São Paulo, de que maneira a atuação das escolas confessionais colabora para que o processo educativo de crianças, adolescentes e jovens seja feito em conformidade com os valores e costumes das famílias?

Gostaria de responder citando umas palavras do Papa Francisco: “Os institutos de educação católicos oferecem a todos uma proposta educacional que visa o desenvolvimento integral da pessoa e que corresponde ao direito de todos de aceder ao saber e ao conhecimento. Mas são igualmente chamadas a oferecer a todos — no pleno respeito pela liberdade de cada um e dos métodos próprios do ambiente escolar — a proposta cristã, ou seja, Jesus Cristo como sentido da vida, do cosmos e da história. (Discurso aos Participantes da Plenária da Congregação para a Educação Católica. Sala Clementina, 13 de Fevereiro de 2014).

Os pais escolhem a escola católica porque têm confiança em que seus filhos receberão uma formação cristã segura, de acordo com os princípios éticos e morais da Igreja Católica. As escolas católicas têm consciência clara de que fazem parte – e parte importante – da missão evangelizadora da Igreja. Bastaria pensar que, sem contar a educação infantil, os alunos recebem em média uma aula de Ensino Religioso por semana nos 12 anos da Educação Básica: do Ensino Fundamental ao Médio. Se esse ensino religioso, como desejamos, for realmente confessional católico, nossas escolas oferecerão à sociedade jovens formados com critérios morais sólidos e isso, com o tempo, será como um fermento cristão para enriquecer o ambiente de toda a sociedade. Nós estamos confiando muito nos frutos do sínodo arquidiocesano realizado nas escolas católicas: uma das propostas dos representantes das escolas católicas está sendo concretizado com a elaboração de um Currículo de Ensino Religioso Católico Confessional, apoiado nas orientações mais recentes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da Congregação para a Educação Católica.

Quais são as entidades e grupos que apoiam essa mudança na legislação?

Há um grupo de parlamentares de diversas correntes, católicos e evangélicos, mobilizados para a aprovação desse projeto de lei, além de algumas instituições, como a Confederação Nacional da Família e da Educação, a Frente Cristã por um Brasil Melhor,a Associação Nacional de Escolas Católicas (Anec), o Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif), o Vicariato da Educação da Arquidiocese do Rio de Janeiro, o Vicariato para a Educação e a Universidade da nossa Arquidiocese, entre outras.

De que maneira o Vicariato Episcopal para a Educação e a Universidade tem colaborado nesta mobilização por tal mudança nos repasses do Funbeb?

O Vicariato para a Educação e a Universidade, com o apoio de alguns dirigentes de escolas, líderes de comunidades etc., está promovendo uma articulação perante parlamentares de diversos âmbitos (municipais, estaduais e federal) para conseguir o apoio para essa proposta de lei. Estamos neste momento fazendo um trabalho de conscientização das escolas filantrópicas da Arquidiocese que se encaixariam nessa regulamentação de escolas comunitárias, além de diversas novas comunidades que já promovem escolas ou estão se mobilizando para isso.

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