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Uma comunicação desarmada e desarmante

Luciney Martins/O SÃO PAULO

“Ninguém naquela reunião sabia, mas era o meu último dia no grupo. Eu já estava esgotado, cansado das rivalidades veladas, das disputas por pequenas decisões, do desejo constante de aparecer, de se defender, de ter razão a qualquer custo. Decidi, silenciosamente, que, ao final da reunião, anunciaria minha saída.

Tudo seguia como de costume, ideias sendo rebatidas com impaciência, acusações sutis, olhares que cortavam. Cada um mais preocupado em sustentar seu ponto de vista do que em escutar. Já ensaiava mentalmente como iria encerrar minha participação ali, quando uma jovem, recém-chegada ao grupo, levantou a mão e perguntou: ‘Se todos somos filhos de Deus, por que não vivemos como irmãos?’

A pergunta, simples, quase ingênua, caiu como uma bomba silenciosa. Ninguém soube o que responder. Não porque faltassem argumentos, mas porque aquela pergunta nos desarmou por completo. Aos poucos, um a um, fomos quebrando o orgulho. Alguém pediu perdão por ter sido duro. Outro reconheceu que vinha guardando mágoas. Uma terceira confessou que era rude, porque se sentia ignorada. E assim, em um movimento inesperado, fomos nos reconciliando. Entre lágrimas, sorrisos e abraços, enfim experimentamos aquilo que tantas vezes tínhamos anunciado em nossas falas e posts, mas raramente vivido: o amor fraterno. Naquele dia, ninguém soube da decisão que eu havia tomado antes de entrar ali. Porque, ao fim da noite, eu já não queria mais ir embora.”

A experiência de Rafael Fernandes na pastoral da qual fazia parte é uma demonstração concreta das palavras do Papa Leão XIV em seu primeiro encontro com representantes da mídia internacional: “A paz começa com cada um de nós. A maneira como olhamos para os outros, ouvimos os outros, falamos sobre os outros; e, nesse sentido, a maneira como nos comunicamos é de suma importância: devemos dizer ‘não’ à guerra de palavras e imagens, devemos rejeitar o paradigma da guerra.”

RECONCILIADOS PELA PALAVRA

A inspiração do Santo Padre toca diretamente o coração da Pascom. Seu chamado é claro: sejamos promotores de comunhão. Isso não significa cair em discursos fáceis ou omitir verdades difíceis, mas apresentar tudo com caridade. A comunicação da Igreja não pode servir à guerra de narrativas, precisa ser espaço de reconciliação.

No contexto atual, marcado por fake news, discursos de ódio e radicalizações ideológicas, o Papa exorta a desarmar a linguagem de qualquer traço de agressividade, cinismo ou desprezo. Isso implica revisar nossas práticas. Como escrevemos, com que tom editamos, que imagem projetamos da Igreja?

Leão XIV nos apresenta o desafio de criar uma cultura de ambientes humanos e digitais que sejam espaços de diálogo e discussão. O primeiro passo para a criação dessa cultura está no propósito de se colocar na posição de escuta. É preciso que comecemos a escutar o outro de maneira atenta, pois a escuta é o primeiro passo da paz nas relações.

“Não precisamos de uma comunicação beligerante e musculosa, mas sim de uma comunicação capaz de escutar, de recolher a voz dos fracos que não têm voz. Desarmemos as palavras e ajudaremos a desarmar a Terra.”

PASCOM QUE TRANSFORMA O DIÁLOGO

Inspirada por essa espiritualidade, a Pascom é chamada a transformar o diálogo em instrumento de comunhão. Isso implica desarmar cada palavra, evitando linguagens agressivas, polarizadas ou excludentes. Exige uma escuta atenta, capaz de acolher com sensibilidade as vozes frequentemente silenciadas, partilhando suas histórias, com respeito e empatia. 

Requer, ainda, o testemunho de uma comunicação coerente, em que se busca ser verdadeiros mais do que simplesmente apresentar verdades. E, diante dos avanços tecnológicos, usar com responsabilidade as ferramentas digitais, colocando a Inteligência Artificial a serviço da comunhão, da informação e da dignidade humana.

DESARMAR O CORAÇÃO PARA SER BOA NOTÍCIA

O Papa nos desafia a uma conversão comunicacional. Sua proposta é que iniciemos com a mudança na nossa forma de nos comunicar no dia a dia, que é de fundamental importância. Isso exige silenciar o ego para dar lugar ao outro. Exige oração antes da postagem, discernimento antes da opinião. Exige abandonar o desejo de likes para abraçar a missão do Evangelho. Exige, sobretudo, comunicar com os pés no chão e o coração no Céu.

Nas palavras da Irmã Helena Corazza, pesquisadora de comunicação, a proposta de Leão XIV é também “gestual”, pois, conforme afirma a religiosa, “ele comunica com o olhar, com os gestos de proximidade, com o silêncio reverente”. Para todos os comunicadores católicos, esse é um convite à integralidade, já que não basta comunicar bem, é preciso ser boa notícia.

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