106ª Festa de São Vito mantém as tradições culinárias e de fé dos imigrantes italianos

Devotos do jovem italiano martirizado no começo do século IV celebraram a memória do padroeiro no sábado, 15, e deram continuidade à tradicional festividade no bairro do Brás

No dia de São Vito Mártir, no sábado, 15, missa é celebrada em paróquia dedicada ao Santo, seguida de procissão e das atividades da festa
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

As bandeiras em vermelho, verde e branco agitadas sobre a multidão, o cheiro do molho ao sugo fervendo nas gigantescas panelas, o som da Tarantela. Entrar na Associação Beneficente São Vito Mártir, no sábado, 15, era como se transportar para a própria Itália. A festa do santo padroeiro que uniu duas nações atraiu milhares de pessoas à região do Brás, no centro de São Paulo, e já é parte da manifestação da cultura nacional.

A 106ª edição da Festa de São Vito Mártir, que começou no dia 1°, teve seu ápice no último sábado, quando foi festejada a memória litúrgica do Santo, com a missa solene na Paróquia São Vito Mártir, na Região Episcopal Sé, e procissão pelas ruas do Brás, destino de grande parte da imigração italiana no Brasil, que em 2024 completa 150 anos.

UM JOVEM QUE NÃO SE CALOU

Na homilia, Padre José Ferreira Filho, Vigário Paroquial, recordou a bravura do jovem que enfrentou a perseguição aos cristãos no século IV, tendo seu sangue derramado por amor a Jesus. O Sacerdote também lembrou de Crescência, a “ama de leite” do Santo, e de Modesto, seu professor. Ambos foram responsáveis pelo ensinamento da fé católica a Vito desde sua infância.

“O menino tinha dons especiais de cura, tendo sido chamado inclusive pelo Imperador Diocleciano para recuperar a saúde de seu filho, diagnosticado com epilepsia, prometendo-lhe que se lhe obtivesse a cura, estaria livre da perseguição. Porém, mesmo Vito tendo alcançado de Deus a remissão da doença do menino, o Imperador foi implacável e condenou à morte os três que lembramos hoje nesta celebração”, contou Padre José.

Vito – com apenas 15 anos de idade – Crescência e Modesto foram torturados, lançados às feras e mergulhados em óleo fervente, mas nada lhes aconteceu. Depois, foram condenados a morrer esmagados por uma roda. Enquanto seus corpos eram aniquilados, os três entoavam louvores a Deus.

“Escuto sempre testemunhos de pessoas que receberam cura física depois de pedirem a intercessão de São Vito. Isso nos inspira a manter viva a fé em Deus, que, por meio de seus santos, está sempre derramando graças sobre nós”, ressaltou Padre José.

Na procissão, a imagem sustentada e acompanhada pelos fiéis cortou as ruas do bairro. Ao longo de todo o percurso, a banda entusiasmava os devotos, que bradavam orgulhosos: “Viva São Vito!”. Na chegada à Associação, os olhares dos fiéis expressavam todo o amor e admiração herdado de gerações.

AS ‘MAMMAS DI SÃO VITO’

Entre as atrações da famosa Festa de São Vito os destaques são os tradicionais pratos italianos que preservam os detalhes das receitas típicas da província de Bari, no Sul da Itália.

Estes pratos foram preparados pelas “mammas” italianas, senhoras de 60 a 80 anos, que imortalizaram suas receitas familiares no Brasil. Este grupo se tornou tão emblemático que protagonizou o documentário “Le Mamme di San Vito”, feito em 2010 por Gianni Torres.

Hoje, entre os voluntários da festa, ainda se encontram alguns descendentes das “mammas”, além de pessoas de outras origens.

“Há quase 40 anos, eu ajudo na Festa de São Vito. Trouxe as receitas da minha família e aprendi a prepará-las em panelas maiores para servir a todos”, conta, alegremente, Lucena Montanaro Carriere, 87, uma das cinco “mammas” que representam esse patrimônio imortal da cultura italiana. “A melhor parte é quando a imagem de São Vito entra na festa. Eu me lembro da minha infância em Polignano a Mare e do quanto minha família vivia com amor essa devoção. Choro sempre de saudade e felicidade”, confidenciou Lucena.

OBRAS SOCIAIS DE SÃO VITO

Além de ser um marco na cidade, a Festa de São Vito é também uma das fontes de recursos para a manutenção da Creche São Vito, que atende gratuitamente mais de 100 crianças, oferecendo refeições, assistência de profissionais especializados e cestas básicas para famílias em maior necessidade.

“Tudo que é arrecadado na festa se transforma em oferta de caridade para muitas famílias por meio da creche, dos alimentos distribuídos e das marmitas entregues a tantas pessoas carentes de comida e atenção”, explica Juan Depreto, responsável pela comunicação e assessoria de imprensa da festa.

A creche atende crianças de até 4 anos de todas as etnias e culturas: “Temos famílias italianas, peruanas, bolivianas, brasileiras, todas atendidas com o melhor que uma creche pode oferecer. E se não fosse a Festa de São Vito, não conseguiríamos manter esse benefício para a comunidade”, explica Matheus Rodak, diretor do acervo histórico e religioso da Associação.

E não são somente as crianças que encontram acolhida na Associação Beneficente São Vito. Antônio Silva completou 64 anos no dia da festa e não pensou duas vezes quando a família perguntou como queria comemorar seu aniversário: “Eles me perguntaram se eu queria ir ao karaokê, mas eu disse que queria que todo mundo fosse à Festa de São Vito, pois aqui é onde me sinto em casa”, disse, emocionado.

A FESTA CONTINUA

A festividade já faz parte do calendário da cidade de São Paulo. Em 11 de junho deste ano foi também oficialmente reconhecida como manifestação da cultura nacional, por meio da lei federal 14.882.

A Festa de São Vito prosseguirá até o dia 14 de julho, sempre aos sábados e domingos, a partir das 19h, na sede da Associação Beneficente São Vito Mártir (Rua Fernandes Silva, 96, Brás). Saiba mais detalhes pelo WhatsApp (11) 97641-8278.

A PARÓQUIA SÃO VITO MÁRTIR

Criada em 24 de março de 1940, a Paróquia São Vito Mártir teve sua construção iniciada pelos imigrantes italianos que chegaram a São Paulo entre o fim do século XIX e o começo do século XX. Inicialmente, construíram uma capela, que depois foi demolida para dar lugar ao templo atual, localizado na Rua Polignano A’Mare, 51, no Brás. Tendo como Administrador Paroquial o Padre Michelino Roberto, e como Vigário Paroquial o Padre José Ferreira Filho, desde 2022 a Paróquia está em processo de revitalização estrutural e de ampliação de atividades, tendo iniciado em abril de 2023 um projeto de contraturno escolar para crianças e jovens, iniciativa administrada pelo Instituto Virtus, que é um braço das obras de misericórdia do CorUnum, associação da Paróquia Nossa Senhora do Brasil, igreja-irmã da São Vito. Doações para a reforma podem ser feitas via PIX: 63.089.825/0035-93 (CNPJ).

OS 150 ANOS DA IMIGRAÇÃO ITALIANA

Em 21 de fevereiro de 1874 chegava ao Brasil o navio “La Sofia”, trazendo cerca de 400 imigrantes italianos. Entre as décadas de 1870 e 1920, aproximadamente 1,4 milhão de italianos desembarcaram no Brasil para trabalhar especialmente nas fazendas de café no estado de São Paulo, mas também em outras frentes como na construção de ferrovias. Segundo o Consulado Geral da Itália em São Paulo, em todo o estado há de 15 a 20 milhões de descendentes de italianos, e 345 mil italodescendentes com cidadania italiana reconhecida. (Com informações do governo de São Paulo e do Consulado Geral da Itália)

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