Os acadêmicos recordaram a trajetória do Cardeal Arns, sua luta pelos direitos humanos, a democracia e sua influência histórica
A Academia Paulista de Letras (APL) realizou na quinta-feira, 23, via ferramenta zoom, uma homenagem a Dom Paulo Evaristo Arns, por ocasião do centenário de seu nascimento. Nascido em 14 de setembro de 1921, ele morreu em 14 de dezembro de 2016, aos 95 anos.
A homenagem contou com a presença dos membros da APL, entre os quais José Renato Nalini, presidente da academia; Leandro Karnal, Julio Medaglia, José de Souza Martins, Ives Gandra da Silva Martins, Maria Adelaide do Amaral, José Gregori, Raul Marinho Junior, Gabriel Chalita, Eros Roberto Grau, Dom Fernando Antônio Figueiredo, Roberto Duailibi, José Pastore, Mafra Carbonieri; e entre os convidados estava o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo.
Na ocasião, os participantes expressaram admiração e respeito ao “Cardeal da Esperança”, rememorando fatos determinantes na vida daquele que foi Arcebispo de São Paulo entre 1970 e 1998, com atuação em favor do progresso do País.
Centro de Cultura
A APL foi fundada em 1909 e, desde então, atua ininterruptamente e tem por fim precípuo a cultura do vernáculo e da literatura. Reúne 40 intelectuais que representam a cultura bandeirante.
Já foram ou ainda são seus membros nomes como Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Roberto Simonsen, Paulo Setúbal, Cassiano Ricardo, Júlio Mesquita, Lygia Fagundes Telles, Ignácio de Loyola Brandão, João Carlos Martins, Maurício de Souza, dentre outros.
“Somos 40 interessados em proteger o idioma e em partilhar experiências literárias sob a inspiração de um ritual longevo”, afirmou José Renato Nalini.
Personalidade cultural
Nalini recordou que a motivação para o ato público, realizado no formato on-line, foi a de manifestar que Dom Paulo é uma personalidade que tem expressivo significado na História do Brasil.
“Seu centenário é oportunidade para o Brasil se recordar de como a Igreja tem estado ao lado dos pobres e oprimidos. Jesus pregou para pobres, desvalidos, execrados pela elite da época. A APL é uma instituição que tem por finalidade preservar a cultura e tem obrigação de reverenciar personagens como o Cardeal Arns.”
Dom Paulo não teve vínculos formais com a APL, “mas poderia ter sido um acadêmico membro, por sua formação intelectual. Aliás, a APL sempre teve um religioso entre seus quadros. Não pela religião, mas pela cultura”, disse Nalini, mencionando o nome de membros como Padre Chico, Monsenhor Primo Vieira, Padre Hélio Abranches Viotti, Monsenhor José de Castro Nery e, atualmente, Dom Fernando Antônio Figueiredo, Bispo Emérito de Santo Amaro.
Agente transformador
O Cardeal Odilo Pedro Scherer recordou momentos que vivenciou com Dom Paulo, desde os tempos de seminarista e na convivência mais intensa ao assumir a Arquidiocese de São Paulo, até o fim da vida do Cardeal Arns.
O Arcebispo pontuou que Dom Paulo participou da sua defesa de tese do doutorado em Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma: “Na época, Dom Paulo não podia imaginar e nem passava pela minha cabeça, que o jovem estudante, cuja defesa de tese ele acabava de assistir, viria a ser seu sucessor na cátedra episcopal de São Paulo, onde ele atuava em defesa da missão da Igreja e em favor do povo”, recordou.
O Cardeal Scherer ressaltou que Dom Paulo foi um pastor que se “dedicou ao povo de São Paulo, sempre corajoso e defensor da dignidade humana, com voz firme contra a violência e injustiças praticadas contra indefesos e perseguidos, protetor da justiça social e da opção preferencial pelos pobres, um exímio formador da opinião pública, pautado nos ensinamentos do Evangelho e do ensino social da Igreja”.
Dom Odilo observou que Dom Paulo era muito humano, eclesial, teológico e um homem escolhido para seu tempo e, que continua, ainda, nos dias atuais, a “inspirar muitas outras pessoas a se empenharem na transformação da sociedade”, completou.
Reconversão
Ives Gandra da Silva Martins, advogado, jurista e decano da APL, destacou que Dom Paulo é figura marcante em sua vida, uma vez que o Arcebispo, com seu testemunho profético, assinala seu caminho de reconversão à Igreja.
“Dom Paulo Evaristo Arns é uma figura importante para a Igreja e para a sociedade. Seu empenho e luta atravessam gerações e permanece viva sua voz forte e determinante frente aos desafios da sua época”, disse, destacando que o Cardeal Arns foi decisivo para a construção dos direitos humanos, de modo que “celebrar seu centenário de nascimento é uma maneira de manter vivo seu ardor apostólico e missionário em favor do povo”.
Confrade
Dom Fernando Antônio Figueiredo recordou sua caminhada com o confrade franciscano. “Conheci Dom Paulo quando tinha 17 anos, ainda seminarista. Desde então, mantivemos por toda a vida um vínculo de amizade”, disse, recordando os muitos encontros e diálogos no convento, na dinâmica franciscana e episcopal.
“Dom Paulo era um homem de profunda oração e fé, de amor aos pobres, empenhado na construção de um mundo mais humano, justo e igualitário a todos, independentemente de cor, crença ou nacionalidade”, expressou.
Líder e pastor
Leandro Karnal, historiador, destacou que a celebração do centenário de nascimento de Dom Paulo é uma oportunidade de reflexão sobre a história e atuação da Igreja junto aos vulneráveis.
“Dom Paulo era um grande intelectual, conhecedor da história e da vida do seu povo. Um Arcebispo inserido na realidade do seu tempo. Atuou com determinação, apesar dos tempos obscuros, o que reafirma sua personalidade de líder e pastor.” Karnal destacou, ainda, que Dom Paulo trouxe para a Igreja um ar fresco de esperança e soube ressignificar o local de suas origens e construir um legado permanente que ultrapassa gerações.
Na luta pela democracia
José Gregori destacou, entre as inúmeras características do Cardeal Arns, a sua marca franciscana: de dar tudo de si, seu compromisso eclesial e social para a construção da história do País.
“Dom Paulo foi, sem sombra de dúvida, uma figura muito importante no Brasil democrático. Ele foi a chave para a democracia”, disse, falando que Arns tomou a posição de luta pela volta da normalidade democrática no País, rompendo o silêncio da censura, na promoção da dignidade humana e na construção de uma sociedade mais justa.
Pessoa extraordinária
Maria Adelaide do Amaral, dramaturga, escritora e jornalista luso-brasileira, recordou o ato inter-religioso liderado por Dom Paulo e a postura firme e convicta dele diante das lutas que abraçava em favor do povo: “Não temia, era corajoso, uma pessoa extraordinária que contribuiu muito para a construção e evolução do Brasil. Mesmo nos tempos difíceis da história, não se calou”.