Cardeal Hummes: a verdadeira missão nasce do encontro pessoal com Cristo

Arcebispo Emérito de São Paulo participou do Simpósio Missionário com seminaristas da Arquidiocese.

O Cardeal Cláudio Hummes, Arcebispo Emérito de São Paulo, foi o conferencista da manhã desta sexta-feira, 3, segundo dia do Simpósio Missionário realizado pelo Seminário Arquidiocesano Imaculada Conceição.

Prefeito Emérito da Congregação para o Clero, e presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) e da recém-criada Conferência Eclesial da Amazônia, Dom Cláudio falou, por meio de videoconferência, sobre “O apelo missionário do Papa Francisco”.

A iniciativa, realizada pelas plataformas digitais, acontece no lugar da missão anual de férias dos seminaristas, que, este ano, não pôde acontecer devido à pandemia do novo coronavírus.

A programação, que segue até o sábado, 4, conta com, grupos de estudo e partilha de experiências missionárias. Os seminaristas acompanham as atividades a partir de cada uma das quatro casas de formação sacerdotal da Arquidiocese.

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ENCONTRO COM CRISTO

Na introdução do tema, o Cardeal recordou a passagem bíblica que narra o encontro dos discípulos de João Batista com Jesus. “Esses discípulos saíram desse encontro transformados, entusiasmados, realmente apostando toda a sua vida em Jesus de Nazaré, reconhecendo nele o Messias”, destacou o Cardeal, sublinhando que toda a missão da Igreja deve nascer desse verdadeiro encontro com a pessoa de Jesus.

“É necessário fazer um grande encontro pessoal com Jesus Cristo para se tornar discípulo dele e isso imediatamente nos transforma também em missionários acende em nós aquela vontade de querer comunicar aos outros a experiência que nós mesmos fizemos de Jesus”, continuou.

Dom Claudio destacou Papa Francisco também insiste nesse aspecto do encontro com Cristo quando aborda o tema missionário e recordou que o binômio discípulos-missionários foi a temática central da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Cariba, realizada em Aparecida (SP), em 2007, da qual o então Cardeal Bergoglio e o próprio Dom Claudio fizeram parte da comissão de redação do documento conclusivo.

Na ocasião, o Papa Bento XVI, que abriu a conferência e aprovou o documento conclusivo, fez uma oração na qual dizia: “Discípulos e missionários teus, queremos remar mar a dentro, para que os nossos povos tenham em ti vida abundante e com solidariedade construam a fraternidade e a paz. Senhor Jesus, vem e envia-nos”.

ALEGRIA DO EVANGELHO

Publicada em 2013, a Exortação Apostólica Evangelii gaudium (A alegira do Evangelho) foi escrita pelo Papa Francisco como fruto do Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização para a transmissão da fé, realizado em 2012, ainda sob o pontificado de Bento XVI.

“Todo esse documento é o grande programa do pontificado de Francisco”, enfatizou o Cardeal Hummes, que centrou sua reflexão no primeiro capítulo da exortação, que trata da “Transformação missionária da Igreja”. “O Papa insiste na necessidade de transformar toda a Igreja em missionária, que todos nós sejamos missionários”, destacou.

Dom Cláudio recordou que, em um certo momento da história, surgiram instituições cujos carismas eram voltados exclusivamente para as missões enquanto o restante das organizações e grupos da Igreja cuidavam de outras necessidades sem assumirem essa responsabilidade missionária. No século XX o Concílio Vaticano II (1962-1965) reforçou a compreensão de que a Igreja é essencialmente missionária e que todos os seus membros tem a missão de anunciar o Evangelho.

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DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS

“O Papa Francisco parte dessa compreensão do Concílio e da necessidade de que é preciso sermos antes discípulos para podermos ser missionários”, explicou Dom Claudio, enfatizando que a evangelização não consiste apenas no ensino de enunciados doutrinais, mas, sim, da experiência do encontro e da escuta do mestre, do qual deriva toda a doutrina.

Nesse sentido, o Cardeal também citou as palavras de Bento XVI, que dizia que o início da vida cristão não é uma ideia, ética ou filosofia, mas um acontecimento, um encontro com alguém que muda os rumos da vida da pessoa.

“Outro aspecto que o Papa Francisco enfatiza é que Jesus Cristo é sempre o novo. De forma que a nossa evangelização não é petrificada”, acrescentou o Arcebispo Emérito, ao se referir à necessidade de se buscar novos caminhos para o anúncio do Evangelho.

 “Temos que caminhar junto com a história, porque o próprio Espírito Santo nos conduz e nos ilumina na medida em que nós caminhamos, não quando ficamos parados. E Evangelho é algo vivo”, completou Dom Claudio, novamente recordando Bento XVI, que dizia que a verdadeira Tradição não é um tradicionalismo, é uma história viva da Igreja transmitida ao longo dos séculos e vivenciada por cada geração, que também acrescenta a sua experiência e a purifica daquilo que são apenas aspectos culturais e ideológicos de cada época. “É por isso que podemos dizer que Jesus Cristo é sempre o mesmo, ontem, hoje e sempre. Ele é sempre o novo”, completou. 

EM SAÍDA

Logo no primeiro capítulo da exortação apostólica, Francisco apresentou a expressão que marca o seu pontificado: “Igreja em saída”. “O Papa usa uma linguagem popular e acessível que todo o povo entende imediatamente”, comentou Dom Cláudio, explicando que essa analogia ajuda a entender que a Igreja não pode ficar parada cuidando de si mesma, mas deve sempre sair em missão.

No documento, o Pontífice também enfatizou que todos têm direito a ouvirem o Evangelho, sobretudo os mais pobres e aqueles que vivem nas “periferias existenciais”. Nesse sentido, o Cardeal Hummes recordou aos seminaristas que a missão da Igreja é anunciar o Evangelho de Jesus Cristo e praticar a misericórdia.  “Uma fé que não se transforma em atos de caridade para com o próximo é morta. Não podemos ser apenas pregadores de uma Palavra, temos que praticá-la”, disse.

O Cardeal Hummes contou que costumava dizer aos padres que eles não podiam simplesmente abrir a janela de sua casa paroquial e, de lá, jogar as sementes do Evangelho para ver até ondem alcançam. “É preciso ir a campo e semear”, afirmou, recordando que a exortação do Papa Francisco para que os pastores tenham o “cheiro das ovelhas”, isto é, estarem inseridos no meio do povo.

CONVERSÃO PASTORAL

Por isso, Dom Claudio salientou a importância de, já durante o período da formação, os seminaristas vivam a experiência de contato com o povo, sobretudo nas realidades onde há mais necessidade de cuidado e atenção.

“Não podemos deixar as coisas como estão”, foi a frase do Papa Francisco que Dom Cláudio chamou a atenção para se enfatizar a necessidade da constante transformação e renovação missionaria das comunidades eclesiais. “O Papa diz: ‘constituamo-nos em estado permanente de missão’”, completou.

Nessa exortação apostólica, o Santo Padre afirma: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual do que a alto-preservação”.

O Papa fala, ainda, que “a reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige só se pode entender nesse sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que a pastoral ordinária, em todas as usas instâncias, seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de saída e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece sua amizade”.

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POR ATRAÇÃO

O Cardeal Hummes destacou outro trecho do documento, em que Francisco diz que uma pastoral em chave missionária não tem uma obsessão pela “transmissão desarticulada de uma imensidade de doutrinas que se tenta impor à força de insistir”. Sobre esse aspecto, o Arcebispo emérito recordou que Bento XVI afirmou que a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração.

O Santo Padre também destacou, no documento, que a misericórdia é a maior de todas a virtudes e afirmou que é preciso saber “debruçar-se sobre os outros, remediar as misérias alheias” e acrescentou que “é próprio de Deus usar misericórdia e é sobretudo nisso que se manifesta a sua onipotência”.

“A Igreja é discípula missionária, tem necessidade de crescer na interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade”, disse o Pontífice, acrescentando, ainda:  “Há quanto sonham com uma doutrina monolítica, defendida sem nuances por todos. Isso poderá parecer uma dispersão imperfeita, mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e a desenvolver melhor os aspectos da riqueza inesgotável do Evangelho”.

Ao comentar esse trecho, Dom Cláudio lembrou que o próprio Papa recordou as palavras de seu predecessor São João XXIII, que afirmou: “No depósito da doutrina cristã, uma coisa é a substância e outra é a formulação que a reveste”.

POBRES

Na Evangelii gaudium a preferência pelos pobres também é destacada quando o Papa ressalta:  “Se a Igreja inteira assume esse dinamismo missionário, há de chegar a todos, sem exceção. Mas a quem deveria privilegiar? Quando se lê o Evangelho, encontramos uma orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas, sobretudo, aos pobres a aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, que não têm com quem retribuir. A esses devemos privilegiar”.

Em seguida, O Cardeal Hummes recorda a afirmação de Francisco que teve grande repercussão na ocasião da publicação do documento: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, do que uma Igreja enferma pela oclusão e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.

AMAZÔNIA

Por fim, Dom Claudio também compartilhou com os seminaristas um pouco de seu trabalho na região amazônica, que começou quando foi nomeado pela Comissão Episcopal para a Amazônia, em 2011, logo depois que deixou o cargo de Prefeito da Congregação para o Clero, no Vaticano.

Desde então, o Cardeal começou a visitar as dioceses prelazias e comunidades da Amazônia, para conhecer a realidade e ouvir suas necessidades. “Essa experiência foi muito importante para mim”, afirmou.

Depois da eleição do Papa Francisco, o tema da Amazônia ganhou maior destaque, sobretudo durante sua visita ao Brasil, em 2013, quando ele afirmou aos bispos brasileiros que a Amazônia é um desafio decisivo para a Igreja. 

“A partir daí, passamos a ter uma convicção ainda maior de que era preciso trabalhar pela Amazônia”, destacou Dom Cláudio, explicando que essa preocupação deu origem à fundação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) para articular e apoiar a ação evangelizadora da Igreja nessa vasta região que compreende nove países.

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SINODALIDADE

Em 2017, o Papa Francisco convocou uma assembleia especial do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, que foi realizada em outubro de 2019, no Vaticano, do qual Dom Cláudio foi relator geral. Das reflexões desse Sínodo, o Papa escreveu a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazonia, publicada em fevereiro de 2020.

No Sínodo, houve a recomendação da criação de um organismo eclesial que assumiria a aplicação das reflexões do Sínodo na região, o que foi concretizado na semana passada, com a criação da Conferência Eclesial da Amazônia, da qual Dom Cláudio foi eleito presidente. Ele explicou que esse organismo corresponde à dimensão de sinodalidade tanto reforçada pelo Papa. O Cardeal explicou, ainda, que essa conferência terá sua própria autonomia, mas sua ligação orgânica com o Conselho Episcopal Latino Americano (Celam) com a Repam.

Segundo o Cardeal Hummes, foi o próprio Papa Francisco que fosse uma conferência eclesial e não episcopal, pois os bispos já estão ligados às conferências episcopais de seus respectivos países. “Isso significa que não apenas os bispos têm palavra e voto, mas também outras pessoas, padres, religiosas, leigos, indígenas, serão membros dessa conferência”, disse, reconhecendo que é uma realidade nova na Igreja.

“Esta conferência foi constituída, mas ainda deverá ser reconhecida e erigida canonicamente pelo Papa”, esclareceu Dom Cláudio.

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PROGRAMAÇÃO

O Simpósio Missionário foi aberto na quinta-feira, 2, com uma conferência do Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, sobre a centralidade da missão na fé cristã e a natureza missionária da Igreja.

No mesmo dia, o Bispo da Diocese de Pemba, em Moçambique, Dom Luís Fernando Lisboa, compartilhou com os seminaristas sua experiência missionária de mais de uma década nesse país africano. No sábado, o Padre José Arnaldo Juliano, teólogo e perito do sínodo arquidiocesano, destacará a preocupação missionária da Igreja em São Paulo. As conferências podem ser acompanhadas  pelas mídias digitais da Arquidiocese.

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