Cardeal Scherer reforça a necessidade da conversão e da fidelidade à vocação para evitar os escândalos na Igreja

Arcebispo de São Paulo salientou a importância da aplicação da justiça contra todos os que cometem delitos e sublinhou o cuidado com a formação humana e espiritual dos futuros padres  

Cardeal Odilo Pedro Scherer (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Na quarta parte da entrevista exclusiva concedida ao jornal O SÃO PAULO, o Cardeal Odilo Pedro Scherer se manifestou sobre o sofrimento da Igreja com os episódios de escândalos envolvendo seus membros, especialmente clérigos e religiosos.

O Arcebispo de São Paulo recordou que as fragilidades e pecados fazem parte da condição humana e que, por isso, deve haver a constante busca da santidade e da conversão. No entanto, ressaltou que quando, além do pecado, existem ações contrárias à lei, como os casos de abusos sexuais contra menores e outros crimes, deve haver a devida punição tanto no âmbito eclesiástico quanto civil.

O Purpurado também reforçou a importância de que tais atos sejam denunciados e enfatizou o esforço da Igreja para coibir os escândalos e preveni-los. Nesse sentido, Dom Odilo falou da necessidade de uma sadia formação humana, espiritual e moral dos futuros padres, que não se resume apenas ao período do seminário, mas deve vir desde a base familiar e das comunidades eclesiais. De igual modo, o Arcebispo enfatizou que o esforço por uma vida santa e coerente com a vocação é uma tarefa para a vida toda.

Ouça o trecho da entrevista:

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O SÃO PAULO – Como a Igreja tem lidado com as situações de escândalos e denúncias que envolvem seus membros?

Cardeal Odilo Pedro Scherer – Devemos lembrar que Jesus já preveniu: ‘Ai daqueles que cometem escândalos’. Mas, ao mesmo tempo, diz: ‘É inevitável que aconteçam escândalos’. Onde existe a pessoa humana, existem fragilidades e podem acontecer escândalos. A Igreja é feita de pessoas humanas que também são frágeis, são falíveis, e podem pecar. Isso é bom? Não! Não é bom que pequem… Existem muitas formas de pecado. Às vezes, nós apontamos o dedo contra um tipo de pecado e esquecemos que existem muitos outros. Jesus chama isso de farisaísmo.

Lembro sempre da acusação contra aquela mulher pecadora, em que Jesus se abaixou e começou a escrever na terra e não respondia à pergunta deles: ‘O que devemos fazer? Apedreja ou não apedreja?’. No fim, Jesus [diz]: ‘Aquele de vocês que não tiver pecado, pois, atire a primeira pedra’. Eles vão embora e Jesus fica sozinho com a mulher.

Em outras palavras, existem pecados, fragilidades da condição humana. Devem ser evitados, superados, deve haver conversão, deve haver um trabalho, portanto, de busca da santidade, de santificação.

Onde, além do pecado, existem delitos, devem ser resolvidos na justiça. Delitos são ações que ferem a justiça, quer eclesiástica, quer civil. No entanto, esses escândalos aparecem com muito maior facilidade, também devido à facilidade de comunicação, também por causa da insistência com que a própria Igreja está querendo prevenir e evitar esse tipo de ações delituosas e escândalos.

Porém, é evidente que há um esforço para superação, para que não haja conivência e acobertamento de delitos ao ter consciência. Por isso, hoje, existe maior preocupação em relação às notícias de delitos.

É importante que as notícias de delitos por parte não só de clérigos, mas também de outros membros da Igreja, sejam denunciados. E quando é clérigo ou pessoa religiosa, ainda mais, porque se espera comportamento digno, edificante e nenhum tipo de delito que possa prejudicar, cometer injustiça contra alguém e deixar marcas indeléveis para o restante da vida de alguma pessoa, marcas negativas.

Essas são dificuldades que a Igreja atravessa atualmente com muito sofrimento. É um processo, sim, de purificação que requer um grande esforço, mas, ao mesmo tempo, um processo que, certamente, vai trazer fruto de valorização da dignidade humana, mas também da dignidade de cada cristão, ainda mais dos clérigos e religiosos, que devem estar sempre cientes de que as suas ações estão postas diante dos outros para serem exemplares e não para serem, de alguma forma, escandalosas ou destrutivas em relação à vida das pessoas.

Quais os cuidados em relação à formação dos futuros padres para evitar que tais situações aconteçam?

Os candidatos ao sacerdócio não caem do céu. Eles vêm das famílias, das comunidades, enfim. O que é pressuposto é que haja uma vida humana sadia, uma vida moral sadia desde a família. Quantas vezes, já na infância, na adolescência, depois, na juventude, as pessoas têm todo tipo de experiências que marcam negativamente suas vidas. Por isso, o processo de formação e de discernimento vocacional precisa levar muito em conta esses fatos e experiências que a pessoa já viveu e se, nas condições em que ela se apresenta realmente dá para aceitar que se trata de uma vocação e de uma capacidade de viver aquilo que é próprio do sacerdócio.

Por isso, a pastoral vocacional deve estar muito atenta a esses aspectos, mas também toda a educação familiar que se dá nas nossas comunidades católicas, nos movimentos, nas organizações pastorais deve ser uma formação que vise a formar pessoas sadias, com experiência positivas e pessoas bem orientadas para a vida. Depois, durante o seminário, é preciso fazer todo o processo de discernimento para bem saber junto com o candidato se a vocação é essa mesma ou não.

De toda forma, permanece sempre o mistério da pessoa. Mesmo quem, eventualmente, chega ao sacerdócio sem nenhum tipo de preocupação pode, eventualmente, também cair, porque ninguém se torna incorruptível pelo fato da ordenação sacerdotal. Alguém pode, depois da ordenação, acabar se corrompendo moral e humanamente se não estiver muito atento a seguir aquilo que são as normas morais, do bom senso, das atitudes corretas em relação à vida, em relação aos relacionamentos humanos. De maneira que é uma questão que acompanha a vida toda. Enquanto estamos vivos, todos estamos sujeitos a pecar. Por isso, torno a insistir, não é no seminário que começa a formação sacerdotal. Isso começa antes, desde a infância. Uma boa base humana, uma boa base cristã, de experiência religiosa é fundamental em relação, depois, a uma boa formação sacerdotal.  

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